Arapongas - Paraná
Poesia Portuguesa
José Gomes Ferreira
Porto - Portugal
1900 - 1985
Introdução
José Gomes Ferreira (1900 - 1985) foi um escritor e poeta português, pai do arquiteto Raul Hestnes Ferreira e do poeta Alexandre Vargas. A vida e obra de José Gomes Ferreira atravessam praticamente todo o século XX. "Até 2000 ainda espero…Depois desisto", dizia ele às vezes nas suas tertúlias de Amigos. Este trabalho procura contribuir para ampliar o conhecimento desse Homem notável, de longos cabelos brancos, e perpetuar a memória dessa figura tão singular da Literatura Portuguesa.
Biografia
Nasceu no Porto a 10 de Junho de 1900. Com quatro anos de idade mudou-se para a capital. Estudou nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com Coimbra, Leonardo, onde teve o primeiro contato com a poesia. Colaborou com Pessoa, Fernando, ainda muito jovem, num soneto para a revista Ressurreição.
A sua consciência política começou a florescer também cedo, sobretudo por influência do pai (democrata republicano). Licencia-se em Direito em 1924, tendo trabalhado posteriormente como Cônsul na Noruega. Paralelamente, seguiu também carreira como compositor, chegando a ter a sua obra "Suite Rústica" estreada pela orquestra de David de Sousa.
Regressa a Portugal em 1930 e dedica-se ao jornalismo. Fez colaborações importantes tais como nas publicações Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, Sr.Doutor e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Também traduziu filmes sob o pseudónimo de Gomes, Álvaro.
Inicia-se na poesia com o poema Viver sempre também cansa em 1931, publicado na revista Presença. Apesar de já ter feito algumas publicações nomeadamente os livros Lírios do Monte e Longe, foi só em 1948 que começou a publicação séria do seu trabalho, com Poesia I e Homenagem Poética a António Gomes Leal (colaboração).
Ganhou em 1961 o Grande Prémio da Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, com Poesia III.
Comparece a todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e, pouco antes do MUD (Movimento Unitário Democrático), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".
Em 1978 foi projetada em Lisboa pelo seu filho Raul Hestnes Ferreira, a Escola Secundária de Benfica que viria ser Escola Secundária de José Gomes Ferreira em sua homenagem.
Tornou-se Presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 1978 e foi candidato em 1979, da APU (Aliança Povo Unido), por Lisboa, nas eleições legislativas intercalares desse ano. Associou-se ao PCP (Partido Comunista Português) em fevereiro do ano seguinte. Foi condecorado pelo Presidente Ramalho Eanes como grande oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo posteriormente o grau de grande oficial da Ordem da Liberdade.
No ano em que foi homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores (1983), foi submetido a uma delicada intervenção cirúrgica. Veio a falecer dois anos depois, a 8 de Fevereiro de 1985, vítima de uma doença prolongada. Em 1990, o Presidente da Câmara de Lisboa, Jorge Sampaio, descerra uma lápide de homenagem ao escritor, na Avenida Rio de Janeiro, sua última morada. Na ocasião discursou o escritor, pintor e amigo de José Gomes Ferreira, Mário Dionísio.
No ano do Centenário do nascimento do Poeta (1900 - 2000), a Videoteca da Câmara Municipal de Lisboa produziu um documentário biográfico sobre José Gomes Ferreira, intitulado Um Homem do Tamanho do Século, já exibido na RTP 2 e na RTP Internacional. Foi realizado por António Cunha (diretor da Videoteca), com uma magnífica interpretação do ator João Mota, declamando diversos poemas de José Gomes Ferreira.Também a Pianista Gabriela Canavilhas participa no documentário, interpretando uma peça musical praticamente inédita, composta por Gomes Ferreira para piano. O documentário pode ser visto na integra, on-line, através do Site da Videoteca Municipal de Lisboa.
Obras
Poesia
• "Lírios do Monte" - 1918
• "Longe" - 1921
• "Marchas, Danças e Canções" (colaboração) - 1946
• "Poesia I" - 1948
• "Homenagem Poética a Gomes Leal" (colaboração) - 1948
• "Líricas" (colaboração) - 1950
• "Poesia II" - 1950
• "Eléctico" - 1956
• "Poesia III" - 1962
• "Poesia IV" - 1970
• "Poesia V" - 1973
• "Poeta Militante I, II e III" - 1978
Ficção
• "O Mundo Desabitado" - 1960
• "O Mundo dos Outros - histórias e vagabundagens" - 1950
• "Os segredos de Lisboa" - 1962
• "Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo" - 1963
• "O Irreal Quotidiano - histórias e invenções" - 1971
• "Gaveta de Nuvens - tarefas e tentames literários" - 1975
• "O sabor das Trevas - Romance-alegoria" - 1976
• "Coleccionador de Absurdos" - 1978
• "Caprichos Teatrais" - 1978
• "O Enigma da Árvore Enamorada - Divertimento em forma de Novela quase Policial" - 1980
Crônicas
• "Revolução Necessária" - 1975
• "Intervenção Sonâmbula" - 1977
Memórias e Diários
• "A Memória das Palavras - ou o gosto de falar de mim" - 1965
• "Imitação dos Dias - Diário Inventado" - 1966
• "Relatório de Sombras - ou a Memória das Palavras II" - 1980
• "Passos Efémeros - Dias Comuns I" - 1990
• "Dias Comuns"
Contos
• "Contos" - 1958
• "Tempo Escandinavo" - 1969
Ensaios e Estudos
• "Guilherme Braga" (colaboração na "Perspectiva da Literatura Portuguesa do séc. XIX") - 1948
• "Líricas" (colaboração) - 1950
• "Folhas Caídas" de Almeida Garrett (introdução) - 1955
• "Contos Tradicionais Portugueses" (colaboração na escolha e comentação; prefácio) - 1958
• "A Poesia de José Fernandes Fafe" - 1963
• "Situação da Arte" (colaboração) - 1968
• "Vietnam (os escritores tomam posição)" (colaboração) - 1968
• "José Régio" (colaboração no "In Memorium de José Régio") - 1970
• "A Filha do Arcediago" de Camilo Castelo Branco (nota preliminar) - 1971
• "Lisboa na Moderna Pintura Portuguesa" (colaboração) - 1971
• "Uma Inútil Nota Preambular" de Aquilino Ribeiro (introdução a "Um Escritor confessa-se") - 1972
Traduções
• "A Casa de Bernarda Alba" de Frederico Garcia Lorca (colaboração)
• "O Livro das Mil e Uma Noites" - 1926
Discografia
• "Poesia" - Philips - 1969 série "Poesia Portuguesa"
• "Poesia IV" - Philips - 1971 série "Poesia Portuguesa"
• "Poesia V" - Decca / Valentim de Carvalho - 1973 série "A Voz e o Texto"
• "Entrevista 12 - José Gomes Ferreira" - Guilda da Música / Sassetti - 1973 série "Disco Falado"
Conhecendo um pouco das suas produções
Longe
Chancelado pela Livraria Bertrand em 1921, o seu livro "Longe" (sonetilhos) é lançado com capa e ex-libris de Humberto Pelágio, tornando-se um sucesso entre o público e os jornais, esgotando-se rapidamente. Foi editado posteriormente (1927) pela "Seara Nova".
Em "Memória das Palavras", J.G.Ferreira explica por que opta por sonetilhos (e não sonetos): "Talvez valha a pena pesquisar, embora pela rama, os motivos dessa preferência que suponho advir do meu ódio aos adjectivos cujo uso considerava (e considero) uma das maiores calamidades da Poesia (na prosa a história é outra), quando não usados com o discernimento de Cesário."
Quanto à "presunção ambiciosa" que presidiu à criação de "Longe", o autor escreve: "Juntar numa síntese propositada várias correntes visíveis da subépoca em que me movia : a grandeza ou a mesquinhez (dependia das conveniências) da Raça; o paternalismo pequeno-burguês em relação ao aldeão, ora apresentado como feliz, ora como mártir consoante as necessidades sentimentais do autor; os derradeiros clarões do saudosismo; a degenerescência aristocrática do simbolismo e até já certo "paulismo" de ouvido."No entanto é o próprio autor que confessa, anos mais tarde, que "essa tendência de síntese (...) destinava-se no fundo a disfarçar mais um desajuste, o 'de si próprio', ao mesmo tempo que realçava um acordo perturbador com a infra-estrutura ambiente quase irreparável".
O vocabulário e temática desta obra ainda se enquadram nos moldes de Pascoaes, do início dos anos 20, mas já com semelhanças com Sá-Carneiro (que embora tivesse morrido cinco anos antes, continuava por revelar) - por exemplo em "Quem reza torna-se em Vago / Fico exilado de mim" - e com a desmistificação histórica de Álvaro de Campos (pseudónimo de F.Pessoa) e a própria sebastiânica mitologia de Pessoa (que só se revela mais tarde, com "Mensagem"):
"Ó Mar das Índias, ó Aia,
embalaste a Nau da Fama;
mas hoje dormes na praia,
a tua doirada cama.
..........................................
...Depois a Nau Catrineta
que é Portugal, ó Poeta,
...encalhou então no Mundo...
E há mais de quinhentos anos
que vós andais, Lusitanos,
a evitar que vá ao fundo..."
É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes
(Crítica à poesia das imagens aos cachos. Como de costume, autocrítica)
É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes
ou chamar à lua a caveira voada da flâmula dum navio pirata!
Mas a poesia - onde está?
A poesia que transforma de repente a música em lâmina
para romper a noite até à solidão dos archotes
que escurecem mais e mais
este abismo absurdo
sem astros de céu vivo
onde as pedras apodrecem
e as andorinhas verdes não saem dos olhos das mulheres?
Mas a outra poesia - onde está?
Essa esperança convicta
de teimar na certeza do nada
com explicações
de papoilas
e esqueletos a abraçarem-se
no amor final já sem sentido de bandeiras?
Sim. Onde está?
Que palavra abre
para além da luz secreta
que os dedos dos mortos acendem no perfume das flores?
Sim. Onde está?
- Poesia de rasgar pedras.
Poesia da solidão vencida.
Poesia das pombas assassinadas.
Poesia dos homens sem morte.
Bibiografia
* Dicionário de Literatura, 5 volumes, COELHO, Jacinto do Prado (dir.lit), 3ªedição, Porto, Figueirinhas, 1992
* Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 20 vols., secretariado por MAGALHÃES, António Pereira Dias; OLIVEIRA, Manuel Alves; 1ª ed., Lisboa, editorial Verbo, 1973
* MARQUES, A.H.de Oliveira Marques, História de Portugal, 8ª ed., 2 vols., Lisboa, Palas Editores, 1980
* DROZ, Bernard, ROWLEY, Anthony, História do séc.XX, 1ªedição, 4 volumes, Lisboa, Publicações D.Quixote, Colecção "Biblioteca de História", 1988 (tradução do francês Histoire générale du XXe siècle, de FAGUNDES, João, s.l., Éditions du Seuil, 1986)
* SARAIVA, António José; LOPES, Óscar, História da Literatura Portuguesa, 6ª ed., Porto, Porto Editora Limitada, s.d.
* TRIGUEIROS, Luís Forjaz, É fácil amar Lisboa, 1ª ed., Lisboa, Editorial Verbo, 1989
* REIS, A.do Carmo, Atlas de História de Portugal, 2ª ed., Lisboa, edições Asa, 1987
*TORRES, Alexandre P., Vida e Obra de José Gomes Ferreira, 1ªedição, Amadora, Livraria Bertrand, 1975
* História de Portugal em datas, coordenado por RODRIGUES, António Simões, 1ªedição, s.l., Círculo de Leitores, 1994
* Dicionário de termos de arte, trad. de Ana Cristina Mântua, Publicações D.Quixote, Lx., 1990
Outras fontes:
* Arquivos de jornais
* Obras do autor José Gomes Ferreira
* Sociedade Portuguesa de Autores
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