Translate

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mário de Sá-Carneiro

Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná


MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO



Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de Maio de 1890 — Paris, 26 de Abril de 1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do Modernismo em Portugal e um dos mais renomados membros da Geração d’Orpheu.


Biografia

Nasceu, no seio de uma abastada família alto-burguesa, sendo filho e neto de militares. Órfão de mãe com apenas dois anos (1892), ficou entregue ao cuidado dos avós, indo viver para a Quinta da Vitória, na freguesia de Camarate, às portas de Lisboa, aí passando grande parte da infância.

Inicia-se na poesia com doze anos, sendo que aos quinze já traduzia Victor Hugo, e com dezesseis, Goethe e Schiller. No liceu teve ainda algumas experiências episódicas como ator, e começa a escrever.

Em 1911, com dezenove anos, vai para Coimbra, onde se matricula na Faculdade de Direito, mas não conclui sequer o ano. Aí, contudo, viria a conhecer aquele que foi, sem dúvida, o seu melhor e mais compreensivo amigo – Fernando Pessoa –, o qual, em 1912, o introduziu no ciclo dos modernistas.

Desiludido com a «cidade dos estudantes», segue para Paris a fim de prosseguir os estudos superiores, com o auxílio financeiro do pai. Cedo, porém, deixou de frequentar as aulas na Sorbonne, dedicando-se a uma vida boémia, deambulando pelos cafés e salas de espectáculo, chegando a passar fome e debatendo-se com os seus desesperos, situação que culminou na ligação emocional com uma uma prostituta, a fim de combater as suas frustrações e desesperos.

Na capital francesa viria a conhecer Guilherme de Santa-Rita (Santa-Rita Pintor). Inadaptado socialmente e psicologicamente instável, foi neste ambiente que compôs grande parte da sua obra poética e a correspondência com o seu confidente Pessoa; é, pois, entre 1912 e 1916 (o ano da sua morte), que se inscreve a sua fugaz – e no entanto assaz profícua – carreira literária.

Entre 1913 e 1914 vem a Lisboa com certa regularidade, regressando à capital devido à deflagração do conflito entre a Sérvia e a Áustria-Hungria, o qual a breve trecho se tornou uma conflagração à escala europeia – a I Guerra Mundial. Com Pessoa e ainda Almada-Negreiros integrou o primeiro grupo modernista português (o qual, influenciado pelo cosmopolitismo e pelas vanguardas culturais europeias, pretendia escandalizar a sociedade burguesa e urbana da época), sendo responsável pela edição da revista literária Orpheu (e que por isso mesmo ficou sendo conhecido como a Geração d’Orpheu ou Grupo d’Orpheu), um verdadeiro escândalo literário à época, motivo pelo qual apenas saíram dois números (Março e Junho de 1915; o terceiro, embora impresso, não foi publicado, tendo os seus autores sido alvo da chacota social) – ainda que hoje seja, reconhecidamente, um dos marcos da história da literatura portuguesa, responsável pela agitação do meio cultural português, bem como pela introdução do modernismo em Portugal.

Em Julho de 1915 regressa a Paris, escrevendo a Pessoa cartas de uma crescente angústia, das quais ressalta não apenas a imagem lancinante de um homem perdido no «labirinto de si próprio», mas também a evolução e maturidade do processo de escrita de Sá-Carneiro.

Uma vez que a vida que trazia não lhe agradava, e aquela que idealizava tardava em se concretizar, Sá-Carneiro entrou numa cada vez maior angústia, que viria a conduzi-lo ao seu suicídio prematuro, perpetrado no Hôtel de Nice, no bairro de Montmartre em Paris, com o recurso a cinco frascos de arseniato de estricnina.

Contava tão-só vinte e seis anos. Extravagante tanto na morte como em vida (de que o poema Fim é um dos mais belos exemplos), convidou para presenciar a sua agonia o seu amigo José de Araújo. E apesar de o grupo modernista português ter perdido um dos seus mais significativos colaboradores, nem por isso o entusiasmo dos restantes membros esmoreceu – no segundo número da revista Athena, Pessoa dedicou-lhe um belo texto, apelidando-o de «génio não só da arte como da inovação dela», e dizendo dele, retomando um aforismo das Báquides (IV, 7, 18), de Plauto, que «Morre jovem o que os Deuses amam» (tradução literal de Quem di diligunt adulescens moritur).

Verdadeiro insatisfeito e inconformista (nunca se conseguiu entender com a maior parte dos que o rodeavam, nem tão pouco ajustar-se à vida prática, devido às suas dificuldades emocionais), mas também incompreendido (pelo modo com os contemporâneos olhavam o seu jeito poético), profetizou acertadamente que no futuro se faria jus à sua obra, no que não falhou.

Com efeito, reconhecido no seu tempo apenas por uma fina élite, à medida que a sua obra e correspondência foi publicada, ao longo dos anos, tornou-se acessível ao grande público, sendo atualmente considerado um dos maiores expoentes da literatura moderna em língua portuguesa. Embora não tenha a mesma repercussão de Fernando Pessoa, a sua genialidade é tão grande (senão mesmo maior) que a de Pessoa, mas porém muito mais próxima da loucura que a do seu amigo.

A terra que o acolheu na infância – Camarate –, e a quem ele dedicou também algumas das suas poesias, homenageou-o, conferindo o seu nome a uma escola local. O seu poema Fim foi musicado por um grupo português no final dos anos 1980, os Trovante. Mais tarde, o seu poema O Outro foi também musicado pela cantora brasileira Adriana Calcanhotto.

As suas influências literárias são de Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Stéphane Mallarmé, Fiódor Dostoievski, Cesário Verde e António Nobre. Este escritor influenciou vários escritores, entre eles Eugénio de Andrade.

Obras


Na fase inicial da sua obra, Mário de Sá-Carneiro revela influências de várias correntes literárias, como o decadentismo, o simbolismo, ou o saudosismo, então em franco declínio; posteriormente, por influência de Pessoa, viria a aderir a correntes de vanguarda, como o interseccionismo, o paulismo ou o futurismo.

Nessas pôde exprimir com à-vontade a sua personalidade, sendo notórios a confusão dos sentidos, o delírio, quase a raiar a alucinação; ao mesmo tempo, revela um certo narcisismo e egolatria, ao procurar exprimir o seu inconsciente e a dispersão que sentia do seu «eu» no mundo – revelando a mais profunda incapacidade de se assumir como adulto consistente.

O narcisismo, motivado certamente pelas carências emocionais (era órfão de mãe desde a mais terna puerícia), levou-o ao sentimento da solidão, do abandono e da frustração, traduzível numa poesia onde surge o retrato de um inútil e inapto. A crise de personalidade levá-lo-ia, mais tarde, a abraçar uma poesia onde se nota o frenesi de experiências sensórias, pervertendo e subvertendo a ordem lógica das coisas, demonstrando a sua incapacidade de viver aquilo que sonhava – sonhando por isso cada vez mais com a aniquilação do eu, o que acabaria por o conduzir, em última análise, ao seu suicídio.

Embora não se afaste da metrificação tradicional (redondilhas, decassílabos, alexandrinos), torna-se singular a sua escrita pelos seus ataques à gramática, e pelos jogos de palavras. Se numa primeira fase se nota ainda esse estilo clássico, numa segunda, claramente niilista, a sua poesia fica impregnada de uma humanidade autêntica, triste e trágica.

Por fim, as cartas que trocou com Pessoa, entre 1912 e o seu suicídio, são como que um autêntico diário onde se nota paralelamente o crescimento das suas frustrações interiores.

Amizade (1912)

Publicada em 1912, Amizade, é a primeira peça que escreve. Mário de Sá-Carneiro divide a autoria desta obra com Tomás Cabreira Júnior, seu colega do Liceu Camões em Lisboa. O fato de hoje podermos ler esta peça deve-se a um acaso. Dos dois colegas e autores da peça Amizade, Tomás Cabreira Júnior era o único dos dois que tinha os manuscritos. Por qualquer motivo era Sá-Carneiro quem os tinha consigo quando do suicídio de Tomás Cabreira Júnior, que antes de cometer tal ato destruiu toda a sua obra.

Princípio (1912)

No ano de 1912, o autor dá à estampa um conjunto de novelas que reune sob o título Princípio.

A Confissão de Lúcio (1913)

Inaugurando um estilo até então em si desconhecido, o romance, Mário de Sá-Carneiro publica, em 1913, A Confissão de Lúcio. A temática desta obra gira em torno do fantástico e é um ótimo espelho da época de vanguarda que foi o modernismo português.

Dispersão (1914)

O ano de 1913 veio a revelar-se de uma pujança criativa inigualável. Não só variou dentro da prosa, como apresenta ao público a sua primeira obra de poesia: Dispersão. Esta obra é composta por doze poemas e a sua primeira edição foi revista quer pelo autor quer pelo seu grande amigo, e também poeta, Fernando Pessoa.

Céu em Fogo (1915)

Em 1915, volta a reunir novelas, mais precisamente oito, num volume a que dá o título de Céu em Fogo. Estas novelas revelam igualmente as mesmas perturbações e obsessões que já a sua poesia expressava.

Obras Póstumas

Nem tudo aquilo que Sá-Carneiro produziu em vida viu ser publicado, ainda que muitas coisas, além dos seus livros, tenha deixado espalhadas pelas publicações em que participou, como as revistas Orpheu ou Portugal Futurista.

Indícios de Oiro (1937)

Do que Mário de Sá-Carneiro não chegou a publicar em vida Indícios de Oiro, publicada em 1937 pela revista Presença, é o conjunto de trabalhos seus mais significativo do conjunto da sua obra.

Correspondência

A sua correspondência com outros membros do Orpheu foi também reunida em volumes póstumos: Cartas a Fernando Pessoa (2 vols., 1958-1959), Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Luís de Montalvor, Cândia Ramos, Alfredo Guisado e José Pacheco (1977), Correspondência Inédita de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa (1980).

Tradução

De Sá-Carneiro existe ainda uma tradução da peça Les Fossiles, de François de Curel, em parceria com António Ponce de Leão.

A obra de Mário Sá-Carneiro está intimamente relacionada à sua vivência pessoal, ou seja, revela toda a sua inadaptação ao mundo e a constante busca do seu próprio eu. Isso faz com que o poeta mergulhe no seu mundo interior e, diferente de Fernando Pessoa, que se desdobrou em heterônimos, atinja a autodestruição. Para o bom entendimento da obra de Mário de Sá Carneiro é necessária a análise das "Cartas a Fernando Pessoa", publicadas postumamente.



Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Dispersão, de Mário de Sá-Carneiro

Primeiro livro de poesias de Sá-Carneiro, poeta de dispersão interior, Dispersão revela logo no título a dificuldade de concentração, a pluralidade de opções com que o seu interior se confrontava, anunciando já o termo trágico que daria à sua vida. Contém 12 poemas e é a busca do ideal inacessível, o mundo de sonhos onde o poeta se sente bem:

Um pouco mais de sol eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além;
E o grande sonha despertado em bruma,
O grande sonha – ó dor! – quase vivido...

Dispersão e Além-Tédio são poemas significativos da tristeza, exprimem o tédio endurecido e a dor "de ser-quase" que o faz ter saudades da morte. A propósito dos poemas de Dispersão, o poeta não se integra no mundo, o que lhe causa por vezes um sofrimento de morte. Sá-Carneiro seria destruído pela sua poesia e em proveito dela.

O dualismo de Sá-Carneiro revela-se também através da oposição, antítese, na definição de si mesmo, na impossibilidade de reconciliação entre o poeta e o mundo, entre a alma e o corpo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
– Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse – ou homem ou mulher,
E não logro nunca possuir.

Eis a confissão de Ricardo a Lúcio explicitada no poema Como eu não possuo. Ricardo confessa ainda: estes desejos materiais (...) não julgue que os sinto na minha carne; sinto-os na minha alma. Está aqui bem nítida essa impossibilidade de reconciliação entre a alma e o corpo. Esta dicotomia integral conduzirá fatalmente à dispersão. Em Mário de Sá-Carneiro tudo é brumoso, difuso, velado, tosco, nevoento, tudo é tarde, crepúsculo, poente, fim de dia, noite, sombras, trevas, numa palavra mistério. Os próprios títulos indicam uma atmosfera nebulosa, mal definida:

Intersonho, Vontade de dormir, Dispersão, Quase, Alem- Tédio.

O primeiro poema de Dispersão, intitulado Partida, exprime o supra-eu do poeta, o seu ideal, a promessa de grandeza e do gênio que se sente em si. Já neste poema Sá-Carneiro toma consciência da dicotomia dispersiva do seu ser. Temos no poema:

Ao triunfo maior, avante pois!
O meu destino e outro – é alto e é raro.
Unicamente custa muito caro:
A tristeza de nunca sermos dois.

No livro Dispersão ainda se notam ressaibos de expressão simbolista. Contudo, é já um livro moderno pela atenção que da ao existencial. Verificamos ao longo do livro o desespero do poeta causado pela dicotomia de não conseguir alcançar o celeste, o divino, o ideal. Assim, a sua alma está nostálgica de além. Patente está também o desespero de não se adaptar à vida, porque um domingo é família, / É bem-estar, é singeleza,! E os que olham a beleza / Não têm bem-estar nem família. A busca e a dispersão de si mesmo são a linha de conduta de todo o livro. O poeta, num desabafo desesperante, diz: Perdi-me dentro de mim / Porque eu era labirinto, / E hoje, quando me sinto, / E com saudades de mim. A dor de não ser quase e o desejo de equilíbrio também estão presentes, assim como o narcisismo enternecido que por fim se transformara em desprezo e o levará a dizer: O pobre moço das ânsias... / Tu, sim, tu eras alguém! / E foi por isso também / Que te abismaste nas ânsias.

Na essência da sua poesia surge a busca do seu ideal de poeta, a renuncia que dele exige. Tudo constitui um mundo de dúvidas, de ânsias, de angustias. A poesia de Sá-Carneiro nasceu madura, na plena posse dos seus recursos. O poema Dispersão, publicado na revista Europa, foi aplaudido por Fernando Pessoa e segue abaixo.

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
u, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro —
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... Mas recordo

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...

E sinto que a minha morte —
Minha dispersão total —
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas Pra se dar
Ninguém mas quis apertar
Tristes mãos longas e lindas

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me na alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em urna bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida,
Eu sigo-a, mas permaneço,...
..................................
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba
......................................



Biografia de uma Amizade


1888

13 de Junho: Nasce Fernando Pessoa, em Lisboa, no Largo de S. Carlos, 4, 4. 0, esq., pelas 15 horas.

1890

19 de Maio: Nasce Mário de Sá-Carneiro, em Lisboa, na Rua da Conceição, 93, 3.°, pelas 15 horas.

1912

29 de Agosto Mário de Sá-Carneiro na dedicatória (manuscrita) de Princípio: «Ao seu querido amigo Fernando Pessoa - ao alto espirito, ao artista, ao pensador of. com um grande abraço». Os dois escritores tinham-se conhecido pouco tempo antes.

13 de Outubro Mário de Sá-Carneiro parte, no sudexpress, para Paris. Fernando Pessoa vai (com outros amigos despedir-se dele à estação do Rossio).

16 de Outubro Primeiro postal de Sá-Carneiro, que se instalara provisoriamente no Hotel Richemond (rue du Helder, Paris), para Fernando Pessoa (que vivia então na R. Passos Manuel, 24, 3.°): "Óptimo. Por hoje apenas um grande abraço do seu muito amigo".

20 de Outubro Primeira carta de Sá-Carneiro para Pessoa. Pede-lhe que só lhe escreva depois de lhe mandar novo endereço, o que fará 8 dias depois: escreva para Grand Hôtel du Globe - 50, Rue des Ecoles.

12 de. Novembro Sá-Carneiro recebe a primeira carta de Pessoa, que lhe manda recortes de jornais portugueses e uma poesia sua, que Sá-Carneiro dirá «belíssima».

14 de Novembro Sá-Carneiro obtém o cartão de estudante de Direito da Sorbonne, mas confessa-se deprimido, e mostrar-se-á sempre preocupado com a literatura e com as cartas sobre ela - não com os estudos.

2 de Dezembro Sá-Carneiro fala a Pessoa em suicídio, embora afastando a hipótese de o vir a praticar, elogia o ensaio A Nova Poesia Portuguesa que Pessoa publicou na Âguia, e lastima - o que fará noutras ocasiões - que Pessoa só apareça comli' critico e não como «Artista» e «Poeta».

5 de Dezembro Pessoa oferece-se para fazer publicar «O Homem dos Sonhos» e ver as provas - tarefa de que Sá-Carneiro nunca mais o dispensará em relação aos seus livros.

1913

7 de Janeiro Sá-Carneiro recebe uma carta de Pessoa (em que lhe fala do livro de poemas que projecta, Gládio) e refere a alegria que lhe dão as cartas do seu amigo, que considera «bom e sincero, lúcido, inteligente = Grande».

21 de Janeiro Sá-Carneiro submete a Pessoa o plano e a descrição do livro que projecta, Além/Sonhos, e em que pensa colocar como epigrafe o verso inédito de Pessoa: «o que sonhei, morri-o», tal como pensa dedicar a Pessoa «O Homem dos Sonhos», ou outra narrativa (e a dedicatória aparece na publicação inicíal de «O Homem dos Sonhos» mas passa depois para «A grande sombra»).

3 de Fevereiro Sá-Carneiro mostra. entusiasmo por alguns poemas que lhe mandou Pessoa e insiste na necessidade de ele «prendre date» como poeta.

10 de Março Sá-Carneiro, que mandara a Pessoa o Mercure de France, recebe dele o Teatro, e dá-lhe a liberdade de modificar como quiser a pontuação (e outros aspectos) da sua prosa.

6 de Maio Sá-Carneiro envia a Pessoa o plano do livro Dispersão e continuará a submeter-lhe os textos que vai escrevendo; Pessoa fará o mesmo.

8 de Maio Pessoa confessa a Sá-Carneiro, que agradece e concorda: «Afinal estou em crer que em plena altura, pelo menos quanto a sentimento artístico, há em Portugal só nós dois».

Pessoa sugere a Sá-Carneiro a publicação de uma revista, «Esfinge», para marcar e agitar; Sá-Carneiro dispõe-se a responsabilizar-se pela despesa.

19 de Junho Sá-Carneiro anuncía a Pessoa a sua chegada 4 dias depois a Lisboa, e exprime o desejo «de o ver na estação».

23 de Junho de 1913 a 22 de Maio de 1914 Pessoa e Sá-Carneiro encontram-se com frequência em cafés lisboetas (Martinho, Montanha, Jansen, Brasileira, etc.) e na casa de amigos ou do próprio Sá-Carneiro, que lê sempre a Pessoa os textos que vai escrevendo; solicitado às vezes por bilhetes, alguns deles enviados da quinta de Camarate, Pessoa ajudá-lo-á também a rever as provas de A Confissão de Lúcio e de Dispersão, obras distribuídas ainda antes do fim de 1913. O exemplar de Dispersão que coube a Pessoa tinha a seguinte dedicatória: «A Fernando Pessoa, ao grande espirito, ao admirável Poeta - intensa admiração e funda amizade do muito seu Mário Sá-Carneiro». Em Março de 1914, Pessoa atravessa o seu momento mais «triunfal»: vê aparecer Alberto Caeiro e, logo a seguir, Alvaro de Campos. Este «escreverá» o «Opiário», que é dedicado «Ao senhor Mário de Sá¬-Carneiro».

1914

22 de Maio Sá-Carneiro volta para Paris, enquanto Pessoa passa a viver com a tia Ana Luísa, na R. Pascoal de Meio, 119,3.°, Dt.o.

3 de Junho Primeiro dos muitos pedidos de Sá-Carneiro a Pessoa para se dirigir aos livreiros, saber ou tratar da venda dos seus livros, e lhe enviar o dinheiro. Tudo indica que Pessoa nunca deixou de satisfazer os pedidos do amigo.

12 de Junho Sá-Carneiro informa Pessoa que seu pai está em Paris (até 15). e felicita-o pela passagem do seu 26 aniversário.

Meados de Junho Pessoa envia a Sá-Carneiro a «Ode Triunfal», de que ele dirá maravilhas, e anuncia-he o nascimento de Ricardo Reis, cujas odes são também apreciadas com entusiasmo por Sá-Carneiro.

13 de Julho Sá-Carneiro, dias depois de se mostrar seduzido pelo «enredo» Caeiro - Reis - Campos, e pela ideia da revista «Europa», e dias depois de agradecer as gentilezas de Pessoa, a quem envia a Comoedia, escreve-lhe uma longa carta com declarações como estas: «tudo isto, toda esta sumptuosidade e depois a grande alma que você é, fazem-me ser tão seu amigo quanto eu posso ser dalguém: encher-me de ternuras, gostar, como ao meu pai, de encostar a minha cabeça ao seu braço - e de o ter aqui, ao pé de mim, como gostaria de ter o meu Pai, a minha Ama ou qualquer objecto, qualquer bicho querido da minha infância».

20 de Julho Sá-Carneiro concorda com Pessoa, que lhe dissera ter-se «volvido nação», em que a correspondência entre ambos constituirá uma «novidade literária sensacional» em 1970.

17 de Agosto Sá-Carneiro mostra-se «enervado» e triste com o silêncio epistolar de Pessoa «há mais de 15 dias».

24 de Agosto Por causa da guerra, Sá-Carneiro resolve, com grande pena, deixar Paris.

25 de Agosto Ao fim da tarde, Sá-Carneiro deixa Paris a caminho de Barcelona, onde permanecerá até 8 de Setembro. Neste período chega a escrever 2 e 3 vezes por dia a Pessoa, que lhe escreve também para Barcelona.

8 de Setembro Sá-Carneiro parte para Lisboa, não sem antes ter pedido a Pessoa para o esperar na estação e para guardar segredo sobre a sua chegada. Uma vez chegado, fixa-se na sua quinta de Camarate, mas faz frequentes viagens a Lisboa, para se encontrar em cafés com Pessoa e outros amigos; em 29 de Outubro passa a residir «provisoriamente» na Praça. dos Restauradores, 78, com o seu pai, e, mais tarde, será forçado a mudar para o Aliança Hotel, por causa das incompatibilidades com a mulher que seu pai arranjou. Por sua vez, Pessoa vê-se obrigado a passar para um quarto emprestado da Leitaria Alenteana (R. Almirante Barroso, 12) quando a tia Ana Luisa vai para a Suíça.

1915

Janeiro e Fevereiro Encontros frequentes de Sá¬-Carneiro e Pessoa, para corrigirem as provas de Céu em Fogo, e para discutirem textos e projectos, entre os quais decerto o do Orpheu, apoiado pelo amigo comum Lantalvor, que regressara do Brasil nos primeiros dias do ano, e por outros companheiros dos cafés (Alfredo Guisado, José Pacheco, Almada, etc.).

Fevereiro e Março Pessoa e Sá-Carneiro põem todo o empenho na saída do primeiro n.o de Orpheu, de que são os autênticos directores e que, entrado no prelo a 20 de Fevereiro, começou a ser distribuido em fins de Março, e obteve o sucesso que se sabe.

11 de Julho Depois de ter editado Céu em Fogo e de ter trabalhado com Pessoa - agora já como diretores «oficiais» - na preparação do n. o 2 de Orpheu, Sá-Carneiro parte inesperadamente para Paris, por razões económicas e afectivas. Da estação da PampiIhosa escreve logo a Pessoa, que deve ter sido o único dos amigos a saber da partida. .

16 de Julho Sá-Carneiro pede a Pessoa que lhe escreva para a posta restante, e desculpa-se de não lhe dar o endereço parisiense - nem a ele.

Julho-Agosto Sucedem-se as «cartas de negócio» de Sá-.Carneiro para Pessoa; não obstante, Sá-Carneiro fala ainda na necessidade da publicação do Orpheu 3.

24 de Agosto Definindo Pessoa como «Homem-Nação» e «toda uma civilização», Sá-Carneiro reconhece a grandeza dos dois, mas também a sua inferioridade em relação ao amigo.

13 de Setembro Sá-Carneiro comunica a Pessoa que têm «desgraçadamente de desistir do nosso Orpheu»; por razões que constam de uma carta do pai que submete á sua leitura; 5 dias depois, lamentará a desilusão que provocou a Pessoa: «Juro-lhe, em inteira sinceridade que é isso o que mais me preocupa».

Compêndio de Teosofia de C. W. Leadbeater, que Pessoa traduziu.

6 de Dezembro Pessoa escreve a Sá-Carneiro uma carta, que não sabemos se completou e enviou, em que se diz «outra vez presa de todas as crises imagináveis», fundamentalmente provocadas por ter «tomado conhecimento com as doutrinas teosóficas». Curiosamente, Sá-Carneiro atravessa um momento menos preocupante, mas por pouco tempo.

1916

18 de Fevereiro Sá-Carneiro confessa a Pessoa que vive «há semanas um inferno sem nome», põe a hipótese de regressar a Lisboa, onde já não está o pai, que partiu, com a nova mulher, para Lourenço Marques.

Março e Abril Sá-Carneiro relaciona-se com uma jovem francesa que referirá como «personagem feminina destes sarilhos» e que, proporcionando-lhe algum afeto, o ajuda também a gastar mais dinheiro e a perder-se na sua «crise».

5 de Março Sá-Carneiro pede a Pessoa para ir procurar a sua Ama, pedir-lhe o cordão de oiro que a mãe lhe deixou, empenhá-lo e mandar-lhe o dinheiro - o que Pessoa cumprirá «á risca».

14 de Março Carta de Pessoa - certamente a única das enviadas que se conhece na íntegra - em que se diz «no fundo de uma depressão sem fundo». Sá-Carneiro acusa a sua recepção e comenta: «Que Alma, que Estrela, que Oiro.».

31 de Março Sá-Carneiro envia a P,essoa (e ao Pai) o primeiro anúncio de que vai suicidar-se (no dia 3 de Abril) com estricnina, e promete mandar-lhe antes o seu caderno de versos.

3 de Abril Segundo anúncio, com a indicação de que se atirará para debaixo do «Metro», com o pedido de que dê a notícia ao Avô e à Ama, e com a oferta da carta de estudante da Sorbonne.

4 de Abril Sá-Carneiro envia a Pessoa uma carta, um postal e um telegrama a informá-lo de que «houve um compasso de espera».

17 de Abril Sá-Carneiro acusa a recepção de uma carta e um postal de Pessoa , em quem, diz, pensa «a todos os momentos», e a quem pede que lhe escreva, pedido que ainda repetirá em carta do dia seguinte.

26 de Abril (dia do suicídio de Sá-Carneiro) Bilhete deixado por Sá-Carneiro para Pessoa: «Um grande, grande adeus do seu pobre Mário de Sá-Carneiro Paris 26 de Abril de 1916».

Pessoa escreve a Sá-Carneiro uma carta, que não chega a terminar, em que diz: «a sua grande crise foi uma grande crise minha» - que sentiu inclusivamente por «projecção astral». (No espólio de Pessoa en¬ontra-se o horóscopo que ele fez de Mário de Sá-Carneiro) .

27 de Abril O amigo comum de Sá-Carneiro e Pessoa, Carlos Alberto Ferreira, informa Pessoa das circunstâncias da morte do seu companheiro.

4 de. Maio Pessoa escreve a Côrtes-Rodrigues: «Tenho atravessado uma enorme crise intelectual. E agora estou muito pior, com a enorme tragédia que nos aconteceu a todos. O Sá-Carneiro suicidou-se» «Naturalmente Orpheu publicará uma plaquette, colaborada só por os seus colaboradores, à memória do Sá-Carneiro».

1924

30 de Setembro O Diário de Lisboa insere um depoimento de Pessoa sobre o plano de publicação das poesias de Sá-Carneiro que é chegada a hora de iniciar. Pessoa publica em Athena um texto sobre Mário de Sá-Carneiro.

1928

A presença n. o 16 (Nov., 1928) publica uma «tábua biográfica» de Sá-Carneiro redigida por Pessoa.

1929

30 de Setembro Pessoa escreve a João Gaspar Simões sobre o plano de publicação das obras de Mário de Sá-Carneiro.

1933

11 de Abril Nova carta de Pessoa sobre o mesmo assunto ao mesmo destinatário.

1934

Pessoa escreve o poema «Sá-Carneiro».

1935

30 de Novembro Pessoa morre com uma cólica hepática no Hospital de S. Luís de Lisboa.





Realização


Sugestões

Lineu Robero de Moura
Presidente


Bibliografia


- BARREIRA, Cecília. Nacionalismo e modernismo: De Homem Cristo Filho a Almada Negreiros. Lisboa, Assírio e Alvim, 1981.

- BACARISSE, Pamela - A Alma Amortalhada - Mário de Sá-Carneiro's Use of Metaphor and Image, Londres, Tamesis Books Ltd., 1984.

- BRITO, Mario da Silva. História do modernismo brasileiro. São Paulo, Editora Saraiva, 1958.

- COLÓQUIO/LETRAS, nº117/118, Set.-Dez. 1990. Número dedicado a Sá-Carneiro

- FRANÇA, José-Augusto. Os anos vinte em Portugal. Lisboa, Editorial Presença, 1992.

- GALHOZ, Maria Aliete - Mário de Sá-Carneiro, Lisboa, Presença, 1963.

- LISBOA, Eugénio. Poesia portuguesa: do ´Orpheu´ ao Neo-realismo.Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa, 1986.

- MARTINS, Wilson. O modernismo. São Paulo, Cultrix, 1967.
- MORÃO, Paula - "Mário de Sá-Carneiro: o lúcido, o lúdico", in Palavra, nº7, Maio, 1984.

- PAIXÃO, Fernando. “Dois Modernismos em confronto”, in Suplemento Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte, maio/2001. p. 12-4.

- PAIXÃO, Fernando. Narciso em sacrifício: a poesia de Mário de Sá-Carneiro. São Paulo, Editora Ateliê, 2003.

-PEREIRA, José Carlos Seabra. Do fim-de-século ao tempo de Orpheu. Coimbra, Livraria Almedina, 1979.

- TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. Rio de janeiro, Vozes, 1982.
- VÉRTICE, II série, nº36, Março 1991 - Número dedicado a Mário de Sá-Carneiro

- WOLL, Dieter - Realidade e Idealidade na Lírica de Sá-Carneiro, Lisboa, Delfos, 1968.





ARTCULTURALBRASIL O MELHOR EM POESIA

Nenhum comentário:

Postar um comentário