Translate

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Fernando Pessoa Parte 2


Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná

Poesia Portuguesa

Fernando Pessoa Parte 2


Obra poética

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Fernando Pessoa/Bernardo Soares; Autopsicografia; Publicado em 27 de Novembro de 1930.

Considera-se que a grande criação estética de Pessoa foi a invenção heteronímica que atravessa toda a sua obra. Os heterônimos, diferentemente dos pseudônimos, são personalidades poéticas completas: identidades que, em princípio falsas, se tornam verdadeiras através da sua manifestação artística própria e diversa do autor original. Entre os heterônimos, o próprio Fernando Pessoa passou a ser chamado ortônimo, porquanto era a personalidade original. Entretanto, com o amadurecimento de cada uma das outras personalidades, o próprio ortônimo tornou-se apenas mais um heterônimo entre os outros. Os três heterônimos mais conhecidos (e também aqueles com maior obra poética) foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um quarto, de grande importância na obra de Pessoa é Bernardo Soares, autor do Livro do Desassossego, importante obra literária do século XX. Bernardo é considerado um semi-heterônimo por ter muitas semelhanças com Fernando Pessoa e não possuir uma personalidade muito característica, ao contrário dos três primeiros, que possuem até mesmo data de nascimento e morte (exceção para Ricardo Reis, que não possui data de falecimento). Por essa razão, José Saramago, laureado com o Prêmio Nobel, escreveu o livro O ano da morte de Ricardo Reis.

Através dos heterônimos, Pessoa conduziu uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade, existência e identidade. Este último fator possui grande notabilidade na famosa misteriosidade do poeta.

“Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?”

Entre pseudônimos, heterônimos e semi-heterônimos, contam-se 72 nomes.


Ortônimo

A obra ortônima de Pessoa passou por diferentes fases, mas envolve basicamente a procura de um certo patriotismo perdido, através de uma atitude sebastianista reinventada. O ortônimo foi profundamente influenciado, em vários momentos, por doutrinas religiosas (como a teosofia) e sociedades secretas (como a Maçonaria). A poesia resultante tem um certo ar mítico, heróico (quase épico, mas não na acepção original do termo) e por vezes trágico. Pessoa é um poeta universal, na medida em que nos foi dando, mesmo com contradições, uma visão simultaneamente múltipla e unitária da vida. Uma explicação para a criação dos três principais heterônimos e o semi-heterônimo Bernardo Soares, reside nas várias formas que tinha de olhar o mundo, apoiando-se no racionalismo e pensamento oriental.


O ortônimo é considerado, só por si, como simbolista e modernista pela evanescência, indefinição e insatisfação, bem como pela inovação praticada através de diversas sendas de formulação do discurso poético (sensacionalismo, paulismo, interseccionismo, etc.).

Fernando Pessoa foi marcado também pela poesia musical e subjetiva, voltada essencialmente para a metalinguagem e os temas relativos a Portugal, como o sebastianismo presente na principal obra de "Pessoa ele-mesmo", Mensagem, uma coletânea de poemas sobre os grandes


Heterônimos
Álvaro de Campos

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Entre todos os heterônimos, Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo da sua obra. Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo.

Começa a sua trajetória como um decadentista (influenciado pelo simbolismo), mas logo adere ao futurismo. Após uma série de desilusões com a existência, assume uma veia niilista, expressa naquele que é considerado um dos poemas mais conhecidos e influentes da língua portuguesa, Tabacaria. É revoltado e crítico e faz a apologia da velocidade e da vida moderna, com uma linguagem livre, radical.

Ricardo Reis

O heterônimo Ricardo Reis é descrito como um médico que se definia como latinista e monárquico. De certa maneira, simboliza a herança clássica na literatura ocidental, expressa na simetria, na harmonia e num certo bucolismo, com elementos epicuristas e estóicos. O fim inexorável de todos os seres vivos é uma constante na sua obra, clássica, depurada e disciplinada. Faz uso da mitologia não-cristã. Segundo Pessoa, Reis mudou-se para o Brasil em protesto à proclamação da República em Portugal e não se sabe o ano da sua morte.

Em O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago continua, numa perspectiva pessoal, o universo deste heterônimo após a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com o seu heterônimo, sobrevivente ao criador.

Alberto Caeiro


Por sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase toda a vida como camponês, quase sem estudos formais. Teve apenas a instrução primária, mas é considerado o mestre entre os heterônimos (pelo ortônimo, inclusive). Após a morte do pai e da mãe, permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de modestos rendimentos. Morreu de tuberculose. Também é conhecido como o poeta-filósofo, mas rejeitava este título e pregava uma "não-filosofia". Acreditava que os seres simplesmente são, e nada mais: irritava-se com a metafísica e qualquer tipo de simbologia para a vida.

Nos escritos pessoanos que versam sobre a caracterização dos heterônimos, Pessoa, dito "ele mesmo", assim como a Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o meio-heterônimo Bernardo Soares, conferem a Alberto Caeiro um papel quase místico enquanto poeta e pensador. Reis e Soares chegam a compará-lo ao deus Pã, e Pessoa esboça-lhe um horóscopo no qual lhe atribui o signo de leão, associado ao elemento fogo. A relevância destas alusões se esclarecem na explicação de Fernando Pessoa sobre o papel de Caeiro no escopo da heteronímia. Citando a atuação dos quatro elementos da astrologia sobre a personalidade dos indivíduos, Pessoa escreve:

"Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima nele todo o acidental, e os deixa nus e reais, próprios e verídicos, e esses são os libertadores. Caeiro é dessa raça. Caeiro teve essa força."


Dos principais heterônimos de Fernando Pessoa, Caeiro foi o único a não escrever em prosa. Alegava que somente a poesia seria capaz de dar conta da realidade.

Possuía uma linguagem estética direta, concreta e simples mas, ainda assim, bastante complexa do ponto de vista reflexivo. O seu ideário resume-se no verso Há metafísica bastante em não pensar em nada. A sua obra está agrupada na coletânea Poemas Completos de Alberto Caeiro.

Árvore genealógica, segundo pesquisa feita pelo Geneall:

Gaspar Pessoa da Cunha
Daniel Pessoa e Cunha
Perpétua Constança Chaves
Joaquim António de Araújo Pessoa
José António Pereira de Araújo e Sousa
Joana Xavier Pereira de Araújo e Sousa
Bárbara Joaquina de Sequeira Mimoso
Joaquim de Seabra Pessoa
Manuel Félix Lobo de Figueiredo
José Maria de Seabra
Dionísia Maria Rita de Oliveira de Seabra
Dionísia Rosa Estrela de Seabra
Francisco Ferreira Estrela
Ana Rosa Estrela
Joaquina Rosa da Assunção
Fernando António Nogueira Pessoa
António Jacinto Nogueira
Abílio Ponciano Nogueira
Rita Delfina do Carmo
Luís António Nogueira
Maria da Luz Rebelo
Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa
Inácio José Pinheiro
Madalena Amália Xavier Pinheiro
Ana Maria Xavier


Curiosidades


• O professor universitário Armindo Freitas-Magalhães criou um inédito programa de literacia emocional, inspirado no verso de Fernando Pessoa "Se às Vezes as Flores Sorriem" (2009).

• Numa tarde em que José Régio tinha combinado encontrar-se com Pessoa, este apareceu, como de costume, com algumas horas de atraso, declarando ser Álvaro de Campos e pedindo perdão por Pessoa não ter podido comparecer ao encontro.

• Fernando Pessoa trabalhava como correspondente comercial, num sistema que hoje denominamos free lancer. Assim, podia trabalhar apenas dois dias por semana, dedicando os demais, exclusivamente, à sua grande paixão: a literatura.

• A poetisa, professora e jornalista brasileira Cecília Meireles foi a Portugal em 1934, para proferir conferências na Universidade de Coimbra e na Universidade de Lisboa. Um grande desejo seu era conhecer o poeta, de quem se tinha tornado admiradora. Através de um dos escritórios para os quais Fernando Pessoa trabalhava, conseguiu comunicar com ele e marcar um encontro para o meio-dia, mas esperou inutilmente até às duas da tarde sem que Pessoa desse um ar da sua graça. De regresso ao hotel, Cecília teve a surpresa de encontrar um exemplar do livro Mensagem e um recado do misterioso poeta, justificando que não comparecera porque consultara os astros e, segundo o seu horóscopo, "os dois não eram para se encontrar". Realmente, não se encontraram nem houve muito mais oportunidades para tal, pois no ano seguinte Fernando Pessoa faleceu.

• Pessoa media 1,73 m de altura, de acordo com o seu Bilhete de Identidade.

• O assento de óbito de Pessoa indica como causa da morte "bloqueio intestinal".

• A Universidade Fernando Pessoa (UFP), com sede no Porto, foi criada em homenagem ao poeta.

• Fernando Pessoa é o primeiro português a figurar na Plêiade (Collection Bibliothèque de la Pléiade), prestigiada coleção francesa de grandes nomes da literatura.

• Ofélia Queiroz, sua namorada, criou um heterônimo para Fernando Pessoa: Ferdinand Personne. "Ferdinand" é o equivalente a "Fernando" em alguns idiomas e "Personne" significa "ninguém" em francês, residindo a curiosidade deste trocadilho no fato de Fernando, por criar outras personalidades, não ter um eu definido.

• Em Os Mal-Amados (2008), Fernando Dacosta relata uma conversa com Agostinho da Silva, que conhecera pessoalmente Fernando Pessoa em Dezembro de 1934. O poeta confidenciara-lhe, acabrunhado, que estava muito arrependido por ter escrito as cartas de amor a Ofélia. "Fizera-o movido pela sua irremediável fantasia heteronímica" (pg. 358), para saber como seria o romance entre um vulgar empregado de escritório e uma sua colega de trabalho, carente de afecto. Disfrutou o jogo durante algum tempo, mas, quando se apercebeu da monstruosidade da coisa, pôs fim ao romance fictício, para não fazer sofrer uma mulher real e apaixonada.

• O cantor brasileiro Caetano Veloso compôs a canção "Língua", em que existe um trecho inspirado num artigo de Fernando sobre o tema "A minha pátria é a língua portuguesa". O trecho é: A língua é minha Pátria / E eu não tenho Pátria: tenho mátria / Eu quero frátria. Já o compositor Tom Jobim transformou o poema O Tejo é mais Belo em música. Identicamente, Vitor Ramil, cuja música "Noite de São João" tem como letra a poesia de Alberto Caeiro. A cantora Dulce Pontes musicalizou o poema O Infante. O grupo Secos e Molhados musicalizou a poesia "Não, não digas nada". Os portugueses Moonspell cantam no tema Opium um trecho da obra Opiário de Álvaro de Campos. O cantor Renato Braz traz no seu CD "Outro Quilombo" duas poesias musicadas: "Segue o teu destino", de Ricardo Reis, e "Na ribeira deste rio", de Fernando Pessoa.

• O jornal Expresso e a empresa Unisys criaram, em 1987, o Prémio Pessoa, concedido anualmente à pessoa ou às pessoas de nacionalidade portuguesa que, durante o ano transcorrido e na sequência de actividade anterior, se tenham distinguido na vida científica, artística ou literária.

• Em 2006, a empresa Unicre lançou um cartão de crédito intitulado "A palavra", onde o titular pode gravar, à escolha, uma de 6 frases de Fernando Pessoa ou dos seus heterônimos.

Cronologia

A seguir apresenta-se uma cronologia abreviada da vida do poeta:

1888: Fernando António Nogueira Pessoa nasce, em Junho. É batizado em Julho.

1893: Em Janeiro, nasce seu irmão Jorge. A 13 de Julho, o pai morre, de tuberculose. A família é obrigada a leiloar parte dos bens.

1894: O irmão de Fernando, Jorge, morre em Janeiro. Pessoa cria o seu primeiro heterônimo. O futuro padrasto, João Miguel Rosa, é nomeado cônsul interino em Durban, na África do Sul.

1895: Em Julho, Fernando escreve o seu primeiro poema e João Miguel Rosa parte para Durban. Em Dezembro, João Miguel Rosa casa-se com a mãe de Fernando, por procuração.

1896: Em 7 de Janeiro, é concedido o passaporte à mãe, e a família parte para Durban. A 27 de Novembro, nasce Henriqueta Madalena, irmã do poeta.

1897: Fernando faz o curso primário e a primeira comunhão em West Street.

1898: Nasce, a 22 de Outubro, sua segunda irmã, Madalena Henriqueta.

1899: Ingressa na Durban High School em Abril. Cria o pseudónimo Alexander Search.

1900: Em Janeiro, nasce o terceiro filho do casal, Luís Miguel. Em Junho, Pessoa passa para a Form III e é premiado em francês.

1901: Em Junho, é aprovado no exame da Cape School High Examination. Madalena Henriqueta falece e Fernando começa a escrever as primeiras poesias em inglês. Em Agosto, parte com a família para uma visita a Portugal.

1902: Em Janeiro, nasce, em Lisboa, seu irmão João Maria. Fernando vai à ilha Terceira em Maio. Em Junho, a família retorna a Durban. Em Setembro, Fernando volta sozinho para Durban.

1903: Submete-se ao exame de admissão à Universidade do Cabo, tirando a melhor nota no ensaio em inglês e ganhando assim o Prémio Rainha Vitória.

1904: Em Agosto, nasce sua irmã Maria Clara e em Dezembro termina os estudos na África do Sul.

1905: Parte definitivamente para Lisboa, onde passa a viver com a avó Dionísia. Continua a escrever poemas em inglês.

1906: Matricula-se, em Outubro, no Curso Superior de Letras. A mãe e o padrasto retornam a Lisboa e Pessoa volta a morar com eles. Falece, em Lisboa, a sua irmã Maria Clara.

1907: A família retorna uma vez mais a Durban. Pessoa passa a morar com a avó. Desiste do Curso Superior de Letras. Em Agosto, a avó morre. Durante um curto período, Pessoa estabelece uma tipografia.

1908: Começa a trabalhar como correspondente estrangeiro em escritórios comerciais.

1910: Escreve poesia e prosa em português, inglês e francês.

1912: Publica na revista Águia o seu primeiro artigo de crítica literária. Idealiza Ricardo Reis.

1913: Intensa produção literária. Escreve O Marinheiro.

1914: Cria os heterônimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Escreve os poemas de O Guardador de Rebanhos e também o Livro do Desassossego.

1915: Sai em Março o primeiro número de Orpheu. Pessoa "mata" Alberto Caeiro.

1916: O seu amigo Mário de Sá-Carneiro suicida-se.

1918: Publica poemas em inglês, resenhados com destaque no "Times".

1920: Conhece Ofélia Queiroz. Sua mãe e seus irmãos voltam para Portugal. Em Outubro, atravessa uma grande depressão, que o leva a pensar em internar-se numa casa de saúde. Rompe com Ofélia.

1921: Funda a editora Olisipo, onde publica poemas em inglês.

1924: Aparece a revista "Atena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.

1925: A 17 de Março, morre, em Lisboa, a mãe do poeta.

1926: Dirige com seu cunhado a "Revista de Comércio e Contabilidade". Requer patente de uma invenção sua.

1927: Passa a colaborar com a revista Presença.

1929: Volta a relacionar-se com Ofélia.

1931: Rompe novamente com Ofélia.

1934: Publica Mensagem.

1935: Em 29 de Novembro, é internado com o diagnóstico de cólica hepática. Morre no dia 30.

Obras de Fernando Pessoa

• Do Livro do Desassossego

• Ficções do interlúdio: para além do outro oceano

• Na Floresta do Alheamento

• O Banqueiro Anarquista

• O Marinheiro

• Por ele mesmo



Poesias de Fernando Pessoa

• A barca

• Aniversário

• Autopsicografia

• À Emissora Nacional

• Amei-te e por te amar...

• Antônio de Oliveira Salazar

• Autopsicografia

• Elegia na Sombra

• Isto

• Liberdade

• Mar português

• Mensagem

• Natal

• O Eu profundo e os outros Eus

• O cancioneiro

• O Menino da Sua Mãe

• O pastor amoroso

• Poema Pial

• Poema em linha reta

• Poemas Traduzidos

• Poemas de Ricardo Reis

• Poesias Inéditas

• Poemas para Lili

• Poemas de álvaro de Campos

• Presságio

• Primeiro Fausto

• Quadras ao gosto popular

• Ser grande

• Solenemente

• Todas as cartas de amor...

• Vendaval



Prosas de Fernando Pessoa

• Pessoa e o Fado: Um Depoimento de 1929

• Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação

• Páginas de Estética e de Teoria e de Crítica Literárias



Obras do heterônimo Alberto Caeiro

• O Guardador de Rebanhos

• O guardador de rebanhos - XX

• A Espantosa Realidade das Cousas

• Um Dia de Chuva

• Todos os Dias

• Poemas Completos

• Quando Eu não tinha

• Vai Alta no Céu a lua da Primavera

• O Amor é uma Companhia

• Eu Nunca Guardei Rebanhos

• O Meu Olhar

• Ao Entardecer

• Esta Tarde a Trovoada Caiu

• Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada

• Pensar em Deus

• Da Minha Aldeia

• Num Meio-Dia de Fim de Primavera

• Sou um Guardador de Rebanhos

• Olá, Guardador de Rebanhos

• Aquela Senhora tem um Piano

• Os Pastores de Virgílio

• Não me Importo com as Rimas

• As Quatro Canções

• Quem me Dera

• No meu Prato

• Quem me Dera que eu Fosse o Pó da Estrada

• O Luar

• O Tejo é mais Belo

• Se Eu Pudesse

• Num Dia de Verão

• O que Nós Vemos

• As Bolas de Sabão

• às Vezes

• Só a Natureza é Divina

• Li Hoje

• Nem Sempre Sou Igual

• Se Quiserem que Eu Tenha um Misticismo

• Se às Vezes Digo que as Flores Sorriem

• Ontem à Tarde

• Pobres das Flores

• Acho tão Natural que não se Pense

• Há Poetas que são Artistas

• Como um Grande Borrão

• Bendito seja o Mesmo Sol

• O Mistério das Cousas

• Passa uma Borboleta

• No Entardecer

• Passou a Diligência

• Antes o Vôo da Ave

• Acordo de Noite

• Um Renque de árvores

• Deste Modo ou Daquele Modo



Obras do heterônimo Álvaro de Campos

• Acaso

• Acordar

• Adiamento

• Afinal

• A Fernando Pessoa

• A Frescura

• Ah, Onde Estou

• Ah, Perante

• Ah, Um Soneto

• Ali Não Havia

• Aniversário

• Ao Volante

• Apostila

• às Vezes

• Barrow-on-Furness

• Bicarbonato de Soda

• O Binômio de Newton

• A Casa Branca Nau Preta

• Chega Através

• Cartas de amor

• Clearly Non-Campos!

• Começa a Haver

• Começo a conhecer-me. Não existo

• Conclusão a sucata !... Fiz o cálculo

• Contudo

• Cruz na Porta

• Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa

• Datilografia

• Dela Musique

• Demogorgon

• Depus a Máscara

• Desfraldando ao conjunto fictício dos céus estrelados

• O Descalabro

• Dobrada à morda do Porto

• Dois Excertos de Odes

• Domingo Irei

• Escrito Num Livro Abandonado em Viagem

• Há mais

• Insônia

• O Esplendor

• Esta Velha

• Estou

• Estou Cansado

• Eu

• Faróis

• Gazetilha

• Gostava

• Grandes

• Há Mais

• Lá chegam todos, lá chegam todos...

• Lisboa

• O Florir

• O Frio Especial

• Lisbon Revisited - l923

• Lisbon Revisited - 1926

• Magnificat

• Marinetti Acadêmico

• Mas Eu

• Mestre

• Na Casa Defronte

• Na Noite Terrivel

• Na Véspera

• Não Estou

• Não, Não é cansaço

• Não: devagar

• Nas Praças

• Psiquetipia (ou Psicotipia)

• Soneto já antigo

• The Times



Obras do heterônimo Ricardo Reis

• A Abelha

• A Cada Qual

• Acima da verdade

• A flor que és

• Aguardo

• Aqui

• Aqui, dizeis

• Aqui, neste misérrimo desterro

• Ao Longe

• Aos Deuses

• Antes de Nós

• Anjos ou Deuses

• A palidez do dia

• Atrás não torna

• A Nada Imploram

• As Rosas

• Azuis os Montes

• Bocas Roxas

• Breve o Dia

• Cada Coisa

• Cada dia sem gozo não foi teu

• Cancioneiro

• Como

• Coroai-me

• Cuidas, índio

• Da Lâmpada

• Da Nossa Semelhança

• De Apolo

• De Novo Traz

• Deixemos, Lídia

• Dia Após Dia

• Do que Quero

• Do Ritual do Grau de Mestre do átrio na Ordem Templária de Portugal

• Domina ou Cala

• Eros e Psique

• Estás só. Ninguém o sabe

• Este seu escasso campo

• é tão suave

• Feliz Aquele

• Felizes

• Flores

• Frutos

• Gozo Sonhado

• Inglória

• Já Sobre a Fronte

• Lenta, Descansa

• Lídia

• Melhor Destino

• Mestre

• Meu Gesto

• Nada Fica

• Não a Ti, Cristo, odeio ou te não quero

• Cristo Não a Ti, Cristo, odeio ou menosprezo

• Não Canto

• Não Consentem

• Não queiras

• Não quero, Cloe, teu amor, que oprime

• Não quero recordar nem conhecer-me

• Não Só Vinho

• Não só quem nos odeia ou nos inveja

• Não sei de quem recordo meu passado

• Não Sei se é Amor que TenS

• Não Tenhas

• Nem da Erva

• Negue-me

• Ninguém a Outro Ama

• Ninguém, na vasta selva virgem

• No Breve Número

• No Ciclo Eterno

• No Magno Dia

• No mundo, Só comigo, me deixaram

• Nos Altos Ramos

• Nunca

• Ouvi contar que outrora

• Olho

• O que Sentimos

• Os Deuses e os Messias

• O Deus Pã

• Os Deuses

• O Ritmo Antigo

• O Mar Jaz

• O Sono é Bom

• O Rastro Breve

• Para os Deuses

• Para ser grande, sê inteiro: nada

• Pesa o Decreto

• Ponho na Altiva

• Pois que nada que dure, ou que, durando

• Prazer

• Prefiro Rosas

• Quanta Tristeza

• Quando, Lídia

• Quanto faças, supremamente faze

• Quem diz ao dia, dura! e à treva, acaba!

• Quer Pouco

• Quero dos Deuses

• Quero Ignorado

• Rasteja Mole

• Sábio

• Saudoso

• Segue o teu destino

• Se Recordo

• Severo Narro

• Sereno Aguarda

• Seguro Assento

• Sim

• Só o Ter

• Só Esta Liberdade

• Sofro, Lídia

• Solene Passa

• Se a Cada Coisa

• Sob a leve tutela

• Súbdito Inútil

• Tão cedo passa tudo quanto passa!

• Tão Cedo

• Tênue

• Temo, Lídia

• Tirem-me os Deuses

• Tudo que Cessa

• Tuas, Não Minhas

• Uma Após Uma

• Uns

• Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio

• Vivem em nós inúmeros

• Vive sem Horas

• Vossa Formosa


O Monstrengo


O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

(Fernando Pessoa in Mensagem)


Análise do poema "O Mostrengo"


O poema "O Mostrengo" enquadra-se na segunda parte de Mensagem: O Mar Português. A segunda parte, por sua vez, está encimada pela elocução latina possessio maris (posse do mar). Na segunda parte de Mensagem, Fernando Pessoa expressa a nobreza dos atos, que acompanhou a nobreza da intenção, revelada na primeira parte.

Sempre considerada como impregnada de um sentido de épico eminentemente racionalista e intelectual, a Mensagem encontra na sua segunda parte alguns dos episódios mais descritivos e emocionais. No seu todo é, sem dúvida, uma obra simbólica e obscura, atravessada por um sentimento negro de exaustiva análise e frustração por um futuro ainda por acontecer. No entanto, tratando-se do episódio do Mostrengo, a análise é diferenciada. Pessoa parece querer por momentos desafiar Camões, alvo de comentários menos elogiosos por parte de Pessoa em alguns momentos da sua vida, e comparativamente elaborar um momento de grande força dramática e menor força simbólica. Assim analisa Jacinto do Prado Coelho o Mostrengo: “«O Mostrengo» opõe dramaticamente , em decassílabos sonoros com um refrão cuja força épica aumenta de estrofe para estrofe («El-Rei D. João Segundo!»), a decisão do marinheiro português, instrumento inflexível da vontade do rei, à indignação do ser «imundo e grosso» que sai, escorrendo medos, das profundezas do mar: «Aqui ao leme sou mais do que eu: / sou um povo que quer um mar que é teu!»). excepcionalmente, o poeta, sob a sugestão do Adamastor, empunha a «tuba canora e belicosa» (…) Assim, em versos de densidade poética e sugestão rítmica insuperáveis, Fernando Pessoa, comunicando-se, foi também o intérprete comovido da História nacional”. O Mostrengo, um poema originalmente escrito em 1918 (Pessoa tem então 30 anos) é menos sombrio e hermético que outros que viriam a constituir a Mensagem, que também originalmente se deveria chamar Portugal. Isto deve-se a uma desilusão crescente em Pessoa, que se em 1912 na sua primeira experiência como escritor/crítico clama por um Super-Camões e por um renascimento da psique nacional, mais tarde vês que nem Sidônio Pais, nem a Ditadura Militar que se lhe segue surgem como soluções para tal. Torna-se progressivamente mais escura e hermética a linguagem de Pessoa, embrenhada num messianismo que ele vê difícil de se cumprir senão pelos mistérios de uma fé no regresso de uma nobreza já estranha aos seus contemporâneos. Pode considerar-se que o poeta se mantém um ingênuo. Que embora sinta profundamente o seu nacionalismo, mais profundamente até porque esteve longe de Portugal e sentiu longe o que era realmente a saudade de um passado mais tranquilo do que aquele que vivia, ele é inocente quando pretende uma revolução pelo espírito, quando pretende enunciar os princípios em que basearia uma nova civilização e esperasse essa realidade. Considerando-se um «nacionalista místico», essa revolução teria de ser sempre em bases espirituais e é assim que ele as invoca.

O Mostrengo, embora reduzido em simbolismo – parece-me apenas uma aproximação a um tema de Camões, e uma aproximação lírica não-simbólica ao tema da ação dos homens – tem, ainda assim, algo de simbólico na presença do número três. Três foram os heterônimos principais (ou heterônimos únicos, desenvolvidos, pois Bernardo Soares é um pseudônimo e só Alexander Search teria eventualmente dimensão de heterônimo mas nunca foi desenvolvido enquanto tal pelo poeta), três são as estrofes de “O Mostrengo” e três um número que paira sobre o poema, como uma sombra de misticismo, como que dizendo que mesmo nas puras ações de coragem há a presença do divino ou pelo menos do conhecimento oculto. Isto significa que mesmo na mais simples das ações há desígnio e destino, que nunca pode ser negado, quer no homem, quer na natureza. O pobre homem do leme ou o Mostrengo são armas sensíveis de um poder maior do que eles mesmos, ou até do que o destino de ambos

BIBLIOGRAFIA


"Fernando Pessoa - Obra em Prosa", Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1995. Organização, Introdução e Notas de Cleonice Berardinelli. Contém: O EU PROFUNDO, OS OUTROS EUS (Gênese e Justificação de Heteronímia, Caracterização individual dos Heterônimos, Paganismo, Neopaganismo e Cristianismo nos Heterônimos), IDÉIAS ESTÉTICAS (Da Arte, Da Literatura), IDÉIAS FILOSÓFICAS, IDÉIAS POLÍTICAS (Em Geral, Aplicadas ao Caso Português), TEORIA E PRÁTICA DO COMÉRCIO, FICÇÃO (Contos de Raciocínio, Conto (Filosófico) de Pero Botelho).

"Fernando Pessoa - Obra Poética", Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1995. Contém: Introdução (Fernando Pessoa, um encontro de poesia / Cronologia), Poesia de Fernando Pessoa (Mensagem / À memória do presidente-rei Sidónio Pais / Quinto Império / Cancioneiro), Ficções do Interlúdio (Poemas completos de Alberto Caeiro / Odes de Ricardo Reis / Poesia de Álvaro de Campos / Para além doutro oceano de Coelho Pacheco), Poemas Dramáticos (Na floresta do alheamento / O marinheiro / Primeiro Fauso), Poesias Coligidas (Inéditas 1919-1935 / Poemas ingleses / Poemas franceses / Poemas traduzidos para o português), Quadras ao Gosto Popular (325 quadras / Poemas para Lili / Poema Pial), Novas Poesias Inéditas.

"Pessoa Inédito" - Organização de Teresa Rita Lopes. Livros Horizonte. Portugal.

"Para Compreender Fernando Pessoa" - Amélia Pais - Editora Areal editores, Porto, Portugal.

"Fernando Pessoa - Aquém do eu, além do outro" - Leyla Perrone-Moisés. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 1982.

"Fernando Pessoa na Intimidade" - Isabel Murteira França. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1987.

"Livro do Desassossego - Vol. I e II" - Bernardo Soares (Heterônimo de Fernando Pessoa). Editora da UNICAMP, 1994.

Antologia de Fernando Pessoa" - Instituto Cultural de Macau, 1988. Seleção, tradução e anotações de Zhang Weimin.

"Magick in Theory and Practice" - Aleister Crowley. Castle Books, 1991.


Sugestões

Realização


artculturalbrasil@gmail.com



quinta-feira, 27 de maio de 2010

Fernando Pessoa Parte 1

Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná

Poesia Portuguesa


Fernando Pessoa

13 de Junho de 1888 (Lisboa)
30 de Novembro de 1935 (Lisboa)

"Amamos sempre no que temos o que não temos quando amamos."
 (Fernando Pessoa)

Introdução

Fernando Antonio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, no dia 13 de Junho de 1888 e aí faleceu de cólica hepática, em 30 de Novembro de 1935, aos 47 anos! Conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.

É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".

Por ter crescido na África do Sul, para onde foi aos sete anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu a ler e escrever na língua inglesa. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa dedicou-se também a traduções desse idioma.

Teve uma vida discreta , trabalhou em Jornalismo, em Publicidade, no Comércio, ao mesmo tempo que compunha a sua obra literária. Como poeta, desdobrou-se em diversas personagens conhecidas como heterônimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente".

Sua última frase, um pouco antes de expirar foi escrita em Inglês: "I know not what tomorrow will bring… " ("Não sei o que o amanhã trará").

Biografia

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.

Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; Poemas Inconjuntos; Escrito entre 1913-15; Publicado em Atena nº 5, Fevereiro de 1925


Primeiros anos em Lisboa


Às três horas e vinte minutos da tarde de 13 de Junho de 1888 nascia em Lisboa Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar direito do n.º 4 do Largo de São Carlos, em frente à ópera de Lisboa (Teatro de São Carlos). De famílias da pequena aristocracia, pelos lados paterno e materno, o pai, Joaquim de Seabra Pessoa (38), natural de Lisboa, era funcionário público do Ministério da Justiça e crítico musical do «Diário de Notícias». A mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa (26), era natural dos Açores (mais propriamente, da Ilha Terceira). Viviam com eles a avó Dionísia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.
 
Fernando António foi batizado em 21 de Julho na Basílica dos Mártires, ao Chiado, tendo por padrinhos a Tia Anica (D. Ana Luísa Pinheiro Nogueira, tia materna) e o General Chaby. A escolha do nome homenageia Santo Antônio: a família reclamava uma ligação genealógica com Fernando de Bulhões, nome de batismo de Santo Antônio, tradicionalmente festejado em Lisboa a 13 de Junho, dia em que Fernando Pessoa nasceu.
 
 
 
A infância e adolescência foram marcadas por fatos que o influenciariam posteriormente. Às cinco horas da manhã de 24 de Julho de 1893, o pai morreu, com 43 anos, vítima de tuberculose. A morte foi anunciada no Diário de Notícias do dia. Fernando tinha apenas cinco anos. O irmão Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano. A mãe vê-se obrigada a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais modesta, o terceiro andar do n.º 104 da Rua de São Marçal. Foi também neste período que surgiu o primeiro heterônimo de Fernando Pessoa, Chevalier de Pas, fato relatado pelo próprio a Adolfo Casais Monteiro, numa carta de 1935, em que fala extensamente sobre a origem dos heterônimos. Ainda no mesmo ano, escreve o primeiro poema, um verso curto com a infantil epígrafe de À Minha Querida Mamã. A mãe casa-se pela segunda vez em 1895 por procuração, na Igreja de São Mamede, em Lisboa, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban (África do Sul), que havia conhecido um ano antes. Em África, onde passa a maior parte da juventude e recebe educação inglesa, Pessoa viria a demonstrar desde cedo talento para a literatura.

Juventude em Durban

Em razão do casamento, viaja com a mãe para Durban, acompanhados por um tio-avô, Manuel Gualdino da Cunha, que voltaria para Lisboa no mês seguinte. Viajam no navio Funchal até à Madeira e depois no paquete Inglês Hawarden Castle até ao Cabo da Boa Esperança. Faz a instrução primária na escola de freiras irlandesas da West Street, onde fez a primeira comunhão, e estuda em dois anos o equivalente a quatro.

Em 1899 ingressa no Liceu de Durban, onde permanecerá durante três anos e será um dos primeiros alunos da turma. No mesmo ano, cria o pseudónimo Alexander Search, através do qual envia cartas a si mesmo. No ano de 1901, é aprovado com distinção no primeiro exame Cape School High Examination e escreve os primeiros poemas em inglês. Na mesma época, morre sua irmã Madalena Henriqueta, de dois anos. Em 1901 parte com a família para Portugal, para um ano de férias. No navio em que viajam, o paquete König, vem o corpo da irmã. Em Lisboa, mora com a família em Pedrouços e depois na Avenida de D. Carlos I, n.º 109, 3.º Esquerdo. Na capital portuguesa, nasce João Maria, quarto filho do segundo casamento da mãe de Pessoa. Viaja com a família à Ilha Terceira, nos Açores, onde vive a família materna. Deslocam-se também a Tavira para visitar os parentes paternos. Nessa época, escreve o poema “Quando ela passa.”

Tendo que dividir a atenção da mãe com os filhos do casamento e com o padrasto, Pessoa isola-se, o que lhe propicia momentos de reflexão.Por receber uma educação britânica, que lhe proporcionou um profundo contato com a língua inglesa, os seus primeiros textos e estudos foram em inglês. Mantém contato com a literatura inglesa através de autores como Shakespeare, Edgar Allan Poe, John Milton, Lord Byron, John Keats, Percy Shelley, Alfred Tennyson, entre outros. A língua inglesa teve grande destaque na sua vida, trabalhando com o idioma quando, mais tarde, se torna correspondente comercial em Lisboa, além de o utilizar em alguns dos seus textos e traduzir trabalhos de poetas ingleses, como O Corvo e Annabel Lee de Edgar Allan Poe. Com exceção de Mensagem, os únicos livros publicados em vida são os das coletâneas dos seus poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets e English Poems I - II e III, escritos entre 1918 e 1921.

Fernando Pessoa permanece em Lisboa, enquanto todos — mãe, padrasto, irmãos e criada Paciência, que viera com ele — regressam a Durban. Volta sozinho para a África no vapor Herzog. Matricula-se na Durban Commercial School, escola comercial de ensino noturno, enquanto de dia estuda as disciplinas humanísticas para entrar na universidade. Nesse período, tenta escrever contos em inglês, alguns dos quais com o pseudônimo de David Merrick, que deixa inacabados. Em 1903, candidata-se à Universidade do Cabo da Boa Esperança. Na prova de exame de admissão, não obtém boa classificação, mas tira a melhor nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês. Recebe por isso o Queen Victoria Memorial Prize («Prêmio Rainha Vitória»). Um ano depois, ingressa novamente na Durban High School, onde frequenta o equivalente a um primeiro ano universitário. Aprofunda a sua cultura, lendo clássicos ingleses e latinos. Escreve poesia e prosa em inglês, surgindo os heterônimos Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher. Nasce a sua irmã Maria Clara. Publica no jornal do liceu um ensaio crítico intitulado Macaulay. Por fim, encerra os seus bem sucedidos estudos na África do Sul com o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade, obtendo uma boa classificação.

Volta definitiva a Portugal e início de carreira


Deixando a família em Durban, regressa definitivamente à capital portuguesa, sozinho, em 1905. Passa a viver com a avó Dionísia e as duas tias na Rua da Bela Vista, n.º 17. A mãe e o padrasto regressam também a Lisboa, durante um período de férias de um ano em que Pessoa volta a morar com eles. Continua a produção de poemas em inglês e, em 1906, matricula-se no Curso Superior de Letras (atual Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), que abandona sem sequer completar o primeiro ano. É nesta época que entra em contato com importantes escritores portugueses. Interessa-se pela obra de Cesário Verde e pelos sermões do Padre Antônio Vieira.
 
Em Agosto de 1907, morre a sua avó Dionísia, deixando-lhe uma pequena herança, com a qual monta uma pequena tipografia, na Rua da Conceição da Glória, 38-4.º, sob o nome de «Empreza Ibis — Typographica e Editora — Officinas a Vapor», que rapidamente faliu. A partir de 1908, dedica-se à tradução de correspondência comercial, uma atividade a que se pode dar o nome de "correspondente estrangeiro". Nessa profissão trabalha a vida toda, tendo uma modesta vida pública.

Inicia a sua atividade de ensaísta e crítico literário com o artigo «A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada», a que se seguiriam «Reincidindo…» e «A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico» publicados em 1912 pela revista A Águia, órgão da Renascença Portuguesa.

Pessoa é internado no dia 29 de Novembro de 1935, no Hospital de São Luís dos Franceses, com diagnóstico de "cólica hepática", provavelmente uma colangite aguda causada por cálculo biliar e associada a cirrose hepática com origem no óbvio excesso de álcool ao longo da sua vida (a título de curiosidade: acredita-se que era muito fiel à aguardente "Águia Real"). Morre no dia 30 de Novembro, com 47 anos de idade. Nos últimos momentos de vida, pede os óculos e clama pelos seus heterônimos. A sua última frase foi escrita no idioma no qual foi educado, o Inglês: «I know not what tomorrow will bring» (Não sei o que o futuro trará).

Legado

Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterônimos, o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjetivos e usar a heteronímia, torna-se enigmático ao extremo. Este fato é o que move grande parte das buscas para estudar a sua obra. O poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa". Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas próprias palavras do heterônimo Bernardo Soares, "a minha pátria (sic) é a língua portuguesa". O mesmo empenho é patente no seguinte poema:

“Tenho o dever de me fechar em casa no meu espírito e trabalhar
quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da
civilização e o alargamento da consciência da humanidade –“

Analogamente a Pompeu, que disse que "navegar é preciso; viver não é preciso", Pessoa diz, no poema Navegar é Preciso, que "viver não é necessário; o que é necessário é criar". Outra interpretação comum deste poema diz respeito ao fato de a navegação ter resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental: a navegação exigiria uma precisão que a vida poderia dispensar.

O poeta mexicano Octavio Paz, laureado com o Nobel de Literatura, diz que "os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia" e que, no caso de Fernando Pessoa, "nada na sua vida é surpreendente — nada, exceto os seus poemas". Em The Western Canon, Harold Bloom incluiu-o entre os cânones ocidentais, no capítulo Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Português (pg. 451, 1995).

Na comemoração do centenário do nascimento de Pessoa, em 1988, o seu corpo foi trasladado para o Mosteiro dos Jerônimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.

Pessoa e o ocultismo

Fernando Pessoa interessava-se pelo ocultismo e pelo misticismo, com destaque para a Maçonaria e a Rosa-Cruz (embora não se lhe conheça qualquer filiação concreta em Loja ou Fraternidade dessas escolas de pensamento), havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas no Diário de Lisboa (4 de Fevereiro de 1935), contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se "No Túmulo de Christian Rosenkreutz". Tinha o hábito de fazer consultas astrológicas para si mesmo (de acordo com a sua certidão de nascimento, nasceu às 15h20, tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gêmeos). Realizou mais de mil horóscopos.

Apreciava também o trabalho do famoso ocultista Aleister Crowley, tendo inclusive traduzido o poema Hino a Pã. Certa vez, lendo uma publicação inglesa de Crowley, encontrou erros no horóscopo e escreveu-lhe para o corrigir. Os seus conhecimentos de astrologia impressionaram Crowley e, como este gostava de viagens, veio a Portugal conhecer o poeta. Acompanhou-o a maga alemã Miss Hanni Larissa Jaeger. O encontro entre Pessoa e Crowley ocorreu com algum sensacionalismo, dado o Poeta Inglês ter simulado o seu suicídio na Boca do Inferno, o que atraiu várias polícias Europeias e a atenção dos média da época. Pessoa estaria dentro da encenação, tendo combinado com Crowley a notificação dos jornais e a redação de um "romance policiário" cujos direitos reverteriam a favor dos dois poetas. Apesar de ter escrito várias dezenas de páginas, essa obra de ficção nunca foi concretizada.

Ficha pessoal

Ficha pessoal (também referida como "Nota autobiográfica", que não é), intitulada no original "Fernando Pessoa", datilografada e assinada pelo escritor em 30 de Março de 1935. Publicada pela primeira vez, muito incompleta, como introdução ao poema À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais, editado pela Editorial Império em 1940. Publicada em versão integral em Fernando Pessoa no seu Tempo, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1988, pp. 17–22.

FERNANDO PESSOA

Nome completo: Fernando António Nogueira de Seabra Pessoa.

Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.

Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto e Director-Geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral: misto de fidalgos e judeus.

Estado civil: Solteiro.

Profissão: A designação mais própria será "tradutor", a mais exata a de "correspondente estrangeiro" em casas comerciais. O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.

Morada: Rua Coelho da Rocha, 16, 1º. Dto. Lisboa. (Endereço postal - Caixa Postal 147, Lisboa).

Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.

Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. É o seguinte o que, de livros ou folhetos, considera como válido: "35 Sonnets" (em inglês), 1918; "English Poems I-II" e "English Poems III" (em inglês também), 1922; livro "Mensagem", 1934, premiado pelo "Secretariado de Propaganda Nacional" na categoria Poema". O folheto "O Interregno", publicado em 1928 e constituído por uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.

Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o Comandante João Miguel Rosa, Cônsul de Portugal em Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o prêmio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.

Ideologia Política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes, votaria, embora com pena, pela República. Conservador do estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reacionário.

Posição religiosa: Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas e, sobretudo, à Igreja Católica. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Posição iniciática: Iniciado, por comunicação direta de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da Ordem dos Templários de Portugal.

Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda a infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: "Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação".

Posição social: Anti-comunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.

Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

Lisboa, 30 de Março de 1935 [em várias edições está o ano de 1933, por lapso]

Fernando Pessoa [assinatura autografada]


Fonte
Cópia do original datilografado e assinado existente na Coleção do Arquiteto Fernando Távora.



CONTINUA NA PRÓXIMA ATUALIZAÇÃO

Sugestões

Realização

terça-feira, 25 de maio de 2010

José Gomes Ferreira


Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná

Poesia Portuguesa


José Gomes Ferreira

Porto - Portugal
1900 - 1985

Introdução

José Gomes Ferreira (1900 - 1985) foi um escritor e poeta português, pai do arquiteto Raul Hestnes Ferreira e do poeta Alexandre Vargas. A vida e obra de José Gomes Ferreira atravessam praticamente todo o século XX. "Até 2000 ainda espero…Depois desisto", dizia ele às vezes nas suas tertúlias de Amigos. Este trabalho procura contribuir para ampliar o conhecimento desse Homem notável, de longos cabelos brancos, e perpetuar a memória dessa figura tão singular da Literatura Portuguesa.

Biografia

Nasceu no Porto a 10 de Junho de 1900. Com quatro anos de idade mudou-se para a capital. Estudou nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com Coimbra, Leonardo, onde teve o primeiro contato com a poesia. Colaborou com Pessoa, Fernando, ainda muito jovem, num soneto para a revista Ressurreição.

A sua consciência política começou a florescer também cedo, sobretudo por influência do pai (democrata republicano). Licencia-se em Direito em 1924, tendo trabalhado posteriormente como Cônsul na Noruega. Paralelamente, seguiu também carreira como compositor, chegando a ter a sua obra "Suite Rústica" estreada pela orquestra de David de Sousa.

Regressa a Portugal em 1930 e dedica-se ao jornalismo. Fez colaborações importantes tais como nas publicações Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, Sr.Doutor e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Também traduziu filmes sob o pseudónimo de Gomes, Álvaro.

Inicia-se na poesia com o poema Viver sempre também cansa em 1931, publicado na revista Presença. Apesar de já ter feito algumas publicações nomeadamente os livros Lírios do Monte e Longe, foi só em 1948 que começou a publicação séria do seu trabalho, com Poesia I e Homenagem Poética a António Gomes Leal (colaboração).

Ganhou em 1961 o Grande Prémio da Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, com Poesia III.

Comparece a todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e, pouco antes do MUD (Movimento Unitário Democrático), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".

Em 1978 foi projetada em Lisboa pelo seu filho Raul Hestnes Ferreira, a Escola Secundária de Benfica que viria ser Escola Secundária de José Gomes Ferreira em sua homenagem.

Tornou-se Presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 1978 e foi candidato em 1979, da APU (Aliança Povo Unido), por Lisboa, nas eleições legislativas intercalares desse ano. Associou-se ao PCP (Partido Comunista Português) em fevereiro do ano seguinte. Foi condecorado pelo Presidente Ramalho Eanes como grande oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo posteriormente o grau de grande oficial da Ordem da Liberdade.

No ano em que foi homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores (1983), foi submetido a uma delicada intervenção cirúrgica. Veio a falecer dois anos depois, a 8 de Fevereiro de 1985, vítima de uma doença prolongada. Em 1990, o Presidente da Câmara de Lisboa, Jorge Sampaio, descerra uma lápide de homenagem ao escritor, na Avenida Rio de Janeiro, sua última morada. Na ocasião discursou o escritor, pintor e amigo de José Gomes Ferreira, Mário Dionísio.

No ano do Centenário do nascimento do Poeta (1900 - 2000), a Videoteca da Câmara Municipal de Lisboa produziu um documentário biográfico sobre José Gomes Ferreira, intitulado Um Homem do Tamanho do Século, já exibido na RTP 2 e na RTP Internacional. Foi realizado por António Cunha (diretor da Videoteca), com uma magnífica interpretação do ator João Mota, declamando diversos poemas de José Gomes Ferreira.Também a Pianista Gabriela Canavilhas participa no documentário, interpretando uma peça musical praticamente inédita, composta por Gomes Ferreira para piano. O documentário pode ser visto na integra, on-line, através do Site da Videoteca Municipal de Lisboa.

Obras


Poesia

• "Lírios do Monte" - 1918

• "Longe" - 1921

• "Marchas, Danças e Canções" (colaboração) - 1946

• "Poesia I" - 1948

• "Homenagem Poética a Gomes Leal" (colaboração) - 1948

• "Líricas" (colaboração) - 1950

• "Poesia II" - 1950

• "Eléctico" - 1956

• "Poesia III" - 1962

• "Poesia IV" - 1970

• "Poesia V" - 1973

• "Poeta Militante I, II e III" - 1978


Ficção

• "O Mundo Desabitado" - 1960

• "O Mundo dos Outros - histórias e vagabundagens" - 1950

• "Os segredos de Lisboa" - 1962

• "Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo" - 1963

• "O Irreal Quotidiano - histórias e invenções" - 1971

• "Gaveta de Nuvens - tarefas e tentames literários" - 1975

• "O sabor das Trevas - Romance-alegoria" - 1976

• "Coleccionador de Absurdos" - 1978

• "Caprichos Teatrais" - 1978

• "O Enigma da Árvore Enamorada - Divertimento em forma de Novela quase Policial" - 1980


Crônicas

• "Revolução Necessária" - 1975

• "Intervenção Sonâmbula" - 1977


Memórias e Diários

• "A Memória das Palavras - ou o gosto de falar de mim" - 1965

• "Imitação dos Dias - Diário Inventado" - 1966

• "Relatório de Sombras - ou a Memória das Palavras II" - 1980

• "Passos Efémeros - Dias Comuns I" - 1990

• "Dias Comuns"


Contos

• "Contos" - 1958

• "Tempo Escandinavo" - 1969


Ensaios e Estudos

• "Guilherme Braga" (colaboração na "Perspectiva da Literatura Portuguesa do séc. XIX") - 1948

• "Líricas" (colaboração) - 1950

• "Folhas Caídas" de Almeida Garrett (introdução) - 1955

• "Contos Tradicionais Portugueses" (colaboração na escolha e comentação; prefácio) - 1958

• "A Poesia de José Fernandes Fafe" - 1963

• "Situação da Arte" (colaboração) - 1968

• "Vietnam (os escritores tomam posição)" (colaboração) - 1968

• "José Régio" (colaboração no "In Memorium de José Régio") - 1970

• "A Filha do Arcediago" de Camilo Castelo Branco (nota preliminar) - 1971

• "Lisboa na Moderna Pintura Portuguesa" (colaboração) - 1971

• "Uma Inútil Nota Preambular" de Aquilino Ribeiro (introdução a "Um Escritor confessa-se") - 1972


Traduções

• "A Casa de Bernarda Alba" de Frederico Garcia Lorca (colaboração)

• "O Livro das Mil e Uma Noites" - 1926


Discografia

• "Poesia" - Philips - 1969 série "Poesia Portuguesa"

• "Poesia IV" - Philips - 1971 série "Poesia Portuguesa"

• "Poesia V" - Decca / Valentim de Carvalho - 1973 série "A Voz e o Texto"

• "Entrevista 12 - José Gomes Ferreira" - Guilda da Música / Sassetti - 1973 série "Disco Falado"


Conhecendo um pouco das suas produções


Longe

Chancelado pela Livraria Bertrand em 1921, o seu livro "Longe" (sonetilhos) é lançado com capa e ex-libris de Humberto Pelágio, tornando-se um sucesso entre o público e os jornais, esgotando-se rapidamente. Foi editado posteriormente (1927) pela "Seara Nova".

Em "Memória das Palavras", J.G.Ferreira explica por que opta por sonetilhos (e não sonetos): "Talvez valha a pena pesquisar, embora pela rama, os motivos dessa preferência que suponho advir do meu ódio aos adjectivos cujo uso considerava (e considero) uma das maiores calamidades da Poesia (na prosa a história é outra), quando não usados com o discernimento de Cesário."

Quanto à "presunção ambiciosa" que presidiu à criação de "Longe", o autor escreve: "Juntar numa síntese propositada várias correntes visíveis da subépoca em que me movia : a grandeza ou a mesquinhez (dependia das conveniências) da Raça; o paternalismo pequeno-burguês em relação ao aldeão, ora apresentado como feliz, ora como mártir consoante as necessidades sentimentais do autor; os derradeiros clarões do saudosismo; a degenerescência aristocrática do simbolismo e até já certo "paulismo" de ouvido."No entanto é o próprio autor que confessa, anos mais tarde, que "essa tendência de síntese (...) destinava-se no fundo a disfarçar mais um desajuste, o 'de si próprio', ao mesmo tempo que realçava um acordo perturbador com a infra-estrutura ambiente quase irreparável".

O vocabulário e temática desta obra ainda se enquadram nos moldes de Pascoaes, do início dos anos 20, mas já com semelhanças com Sá-Carneiro (que embora tivesse morrido cinco anos antes, continuava por revelar) - por exemplo em "Quem reza torna-se em Vago / Fico exilado de mim" - e com a desmistificação histórica de Álvaro de Campos (pseudónimo de F.Pessoa) e a própria sebastiânica mitologia de Pessoa (que só se revela mais tarde, com "Mensagem"):

"Ó Mar das Índias, ó Aia,
embalaste a Nau da Fama;
mas hoje dormes na praia,
a tua doirada cama.
..........................................

...Depois a Nau Catrineta
que é Portugal, ó Poeta,
...encalhou então no Mundo...
E há mais de quinhentos anos
que vós andais, Lusitanos,
a evitar que vá ao fundo..."


É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes
(Crítica à poesia das imagens aos cachos. Como de costume, autocrítica)

É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes
ou chamar à lua a caveira voada da flâmula dum navio pirata!
Mas a poesia - onde está?
A poesia que transforma de repente a música em lâmina
para romper a noite até à solidão dos archotes
que escurecem mais e mais
este abismo absurdo
sem astros de céu vivo
onde as pedras apodrecem
e as andorinhas verdes não saem dos olhos das mulheres?
Mas a outra poesia - onde está?
Essa esperança convicta
de teimar na certeza do nada
com explicações
de papoilas
e esqueletos a abraçarem-se
no amor final já sem sentido de bandeiras?
Sim. Onde está?
Que palavra abre
para além da luz secreta
que os dedos dos mortos acendem no perfume das flores?
Sim. Onde está?
- Poesia de rasgar pedras.
Poesia da solidão vencida.
Poesia das pombas assassinadas.
Poesia dos homens sem morte.

(Eléctrico XLI, Poesia III)



Bibiografia

* Dicionário de Literatura, 5 volumes, COELHO, Jacinto do Prado (dir.lit), 3ªedição, Porto, Figueirinhas, 1992

* Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 20 vols., secretariado por MAGALHÃES, António Pereira Dias; OLIVEIRA, Manuel Alves; 1ª ed., Lisboa, editorial Verbo, 1973

* MARQUES, A.H.de Oliveira Marques, História de Portugal, 8ª ed., 2 vols., Lisboa, Palas Editores, 1980

* DROZ, Bernard, ROWLEY, Anthony, História do séc.XX, 1ªedição, 4 volumes, Lisboa, Publicações D.Quixote, Colecção "Biblioteca de História", 1988 (tradução do francês Histoire générale du XXe siècle, de FAGUNDES, João, s.l., Éditions du Seuil, 1986)

* SARAIVA, António José; LOPES, Óscar, História da Literatura Portuguesa, 6ª ed., Porto, Porto Editora Limitada, s.d.

* TRIGUEIROS, Luís Forjaz, É fácil amar Lisboa, 1ª ed., Lisboa, Editorial Verbo, 1989

* REIS, A.do Carmo, Atlas de História de Portugal, 2ª ed., Lisboa, edições Asa, 1987

*TORRES, Alexandre P., Vida e Obra de José Gomes Ferreira, 1ªedição, Amadora, Livraria Bertrand, 1975

* História de Portugal em datas, coordenado por RODRIGUES, António Simões, 1ªedição, s.l., Círculo de Leitores, 1994

* Dicionário de termos de arte, trad. de Ana Cristina Mântua, Publicações D.Quixote, Lx., 1990

Outras fontes:

* Arquivos de jornais

* Obras do autor José Gomes Ferreira

* Sociedade Portuguesa de Autores



Sugestões
Realização