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quinta-feira, 27 de maio de 2010

Fernando Pessoa Parte 1

Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná

Poesia Portuguesa


Fernando Pessoa

13 de Junho de 1888 (Lisboa)
30 de Novembro de 1935 (Lisboa)

"Amamos sempre no que temos o que não temos quando amamos."
 (Fernando Pessoa)

Introdução

Fernando Antonio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, no dia 13 de Junho de 1888 e aí faleceu de cólica hepática, em 30 de Novembro de 1935, aos 47 anos! Conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português.

É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um "legado da língua portuguesa ao mundo".

Por ter crescido na África do Sul, para onde foi aos sete anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu a ler e escrever na língua inglesa. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa dedicou-se também a traduções desse idioma.

Teve uma vida discreta , trabalhou em Jornalismo, em Publicidade, no Comércio, ao mesmo tempo que compunha a sua obra literária. Como poeta, desdobrou-se em diversas personagens conhecidas como heterônimos, objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um "drama em gente".

Sua última frase, um pouco antes de expirar foi escrita em Inglês: "I know not what tomorrow will bring… " ("Não sei o que o amanhã trará").

Biografia

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.

Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; Poemas Inconjuntos; Escrito entre 1913-15; Publicado em Atena nº 5, Fevereiro de 1925


Primeiros anos em Lisboa


Às três horas e vinte minutos da tarde de 13 de Junho de 1888 nascia em Lisboa Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar direito do n.º 4 do Largo de São Carlos, em frente à ópera de Lisboa (Teatro de São Carlos). De famílias da pequena aristocracia, pelos lados paterno e materno, o pai, Joaquim de Seabra Pessoa (38), natural de Lisboa, era funcionário público do Ministério da Justiça e crítico musical do «Diário de Notícias». A mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa (26), era natural dos Açores (mais propriamente, da Ilha Terceira). Viviam com eles a avó Dionísia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.
 
Fernando António foi batizado em 21 de Julho na Basílica dos Mártires, ao Chiado, tendo por padrinhos a Tia Anica (D. Ana Luísa Pinheiro Nogueira, tia materna) e o General Chaby. A escolha do nome homenageia Santo Antônio: a família reclamava uma ligação genealógica com Fernando de Bulhões, nome de batismo de Santo Antônio, tradicionalmente festejado em Lisboa a 13 de Junho, dia em que Fernando Pessoa nasceu.
 
 
 
A infância e adolescência foram marcadas por fatos que o influenciariam posteriormente. Às cinco horas da manhã de 24 de Julho de 1893, o pai morreu, com 43 anos, vítima de tuberculose. A morte foi anunciada no Diário de Notícias do dia. Fernando tinha apenas cinco anos. O irmão Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano. A mãe vê-se obrigada a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais modesta, o terceiro andar do n.º 104 da Rua de São Marçal. Foi também neste período que surgiu o primeiro heterônimo de Fernando Pessoa, Chevalier de Pas, fato relatado pelo próprio a Adolfo Casais Monteiro, numa carta de 1935, em que fala extensamente sobre a origem dos heterônimos. Ainda no mesmo ano, escreve o primeiro poema, um verso curto com a infantil epígrafe de À Minha Querida Mamã. A mãe casa-se pela segunda vez em 1895 por procuração, na Igreja de São Mamede, em Lisboa, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban (África do Sul), que havia conhecido um ano antes. Em África, onde passa a maior parte da juventude e recebe educação inglesa, Pessoa viria a demonstrar desde cedo talento para a literatura.

Juventude em Durban

Em razão do casamento, viaja com a mãe para Durban, acompanhados por um tio-avô, Manuel Gualdino da Cunha, que voltaria para Lisboa no mês seguinte. Viajam no navio Funchal até à Madeira e depois no paquete Inglês Hawarden Castle até ao Cabo da Boa Esperança. Faz a instrução primária na escola de freiras irlandesas da West Street, onde fez a primeira comunhão, e estuda em dois anos o equivalente a quatro.

Em 1899 ingressa no Liceu de Durban, onde permanecerá durante três anos e será um dos primeiros alunos da turma. No mesmo ano, cria o pseudónimo Alexander Search, através do qual envia cartas a si mesmo. No ano de 1901, é aprovado com distinção no primeiro exame Cape School High Examination e escreve os primeiros poemas em inglês. Na mesma época, morre sua irmã Madalena Henriqueta, de dois anos. Em 1901 parte com a família para Portugal, para um ano de férias. No navio em que viajam, o paquete König, vem o corpo da irmã. Em Lisboa, mora com a família em Pedrouços e depois na Avenida de D. Carlos I, n.º 109, 3.º Esquerdo. Na capital portuguesa, nasce João Maria, quarto filho do segundo casamento da mãe de Pessoa. Viaja com a família à Ilha Terceira, nos Açores, onde vive a família materna. Deslocam-se também a Tavira para visitar os parentes paternos. Nessa época, escreve o poema “Quando ela passa.”

Tendo que dividir a atenção da mãe com os filhos do casamento e com o padrasto, Pessoa isola-se, o que lhe propicia momentos de reflexão.Por receber uma educação britânica, que lhe proporcionou um profundo contato com a língua inglesa, os seus primeiros textos e estudos foram em inglês. Mantém contato com a literatura inglesa através de autores como Shakespeare, Edgar Allan Poe, John Milton, Lord Byron, John Keats, Percy Shelley, Alfred Tennyson, entre outros. A língua inglesa teve grande destaque na sua vida, trabalhando com o idioma quando, mais tarde, se torna correspondente comercial em Lisboa, além de o utilizar em alguns dos seus textos e traduzir trabalhos de poetas ingleses, como O Corvo e Annabel Lee de Edgar Allan Poe. Com exceção de Mensagem, os únicos livros publicados em vida são os das coletâneas dos seus poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets e English Poems I - II e III, escritos entre 1918 e 1921.

Fernando Pessoa permanece em Lisboa, enquanto todos — mãe, padrasto, irmãos e criada Paciência, que viera com ele — regressam a Durban. Volta sozinho para a África no vapor Herzog. Matricula-se na Durban Commercial School, escola comercial de ensino noturno, enquanto de dia estuda as disciplinas humanísticas para entrar na universidade. Nesse período, tenta escrever contos em inglês, alguns dos quais com o pseudônimo de David Merrick, que deixa inacabados. Em 1903, candidata-se à Universidade do Cabo da Boa Esperança. Na prova de exame de admissão, não obtém boa classificação, mas tira a melhor nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês. Recebe por isso o Queen Victoria Memorial Prize («Prêmio Rainha Vitória»). Um ano depois, ingressa novamente na Durban High School, onde frequenta o equivalente a um primeiro ano universitário. Aprofunda a sua cultura, lendo clássicos ingleses e latinos. Escreve poesia e prosa em inglês, surgindo os heterônimos Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher. Nasce a sua irmã Maria Clara. Publica no jornal do liceu um ensaio crítico intitulado Macaulay. Por fim, encerra os seus bem sucedidos estudos na África do Sul com o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade, obtendo uma boa classificação.

Volta definitiva a Portugal e início de carreira


Deixando a família em Durban, regressa definitivamente à capital portuguesa, sozinho, em 1905. Passa a viver com a avó Dionísia e as duas tias na Rua da Bela Vista, n.º 17. A mãe e o padrasto regressam também a Lisboa, durante um período de férias de um ano em que Pessoa volta a morar com eles. Continua a produção de poemas em inglês e, em 1906, matricula-se no Curso Superior de Letras (atual Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), que abandona sem sequer completar o primeiro ano. É nesta época que entra em contato com importantes escritores portugueses. Interessa-se pela obra de Cesário Verde e pelos sermões do Padre Antônio Vieira.
 
Em Agosto de 1907, morre a sua avó Dionísia, deixando-lhe uma pequena herança, com a qual monta uma pequena tipografia, na Rua da Conceição da Glória, 38-4.º, sob o nome de «Empreza Ibis — Typographica e Editora — Officinas a Vapor», que rapidamente faliu. A partir de 1908, dedica-se à tradução de correspondência comercial, uma atividade a que se pode dar o nome de "correspondente estrangeiro". Nessa profissão trabalha a vida toda, tendo uma modesta vida pública.

Inicia a sua atividade de ensaísta e crítico literário com o artigo «A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada», a que se seguiriam «Reincidindo…» e «A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico» publicados em 1912 pela revista A Águia, órgão da Renascença Portuguesa.

Pessoa é internado no dia 29 de Novembro de 1935, no Hospital de São Luís dos Franceses, com diagnóstico de "cólica hepática", provavelmente uma colangite aguda causada por cálculo biliar e associada a cirrose hepática com origem no óbvio excesso de álcool ao longo da sua vida (a título de curiosidade: acredita-se que era muito fiel à aguardente "Águia Real"). Morre no dia 30 de Novembro, com 47 anos de idade. Nos últimos momentos de vida, pede os óculos e clama pelos seus heterônimos. A sua última frase foi escrita no idioma no qual foi educado, o Inglês: «I know not what tomorrow will bring» (Não sei o que o futuro trará).

Legado

Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterônimos, o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjetivos e usar a heteronímia, torna-se enigmático ao extremo. Este fato é o que move grande parte das buscas para estudar a sua obra. O poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa". Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas próprias palavras do heterônimo Bernardo Soares, "a minha pátria (sic) é a língua portuguesa". O mesmo empenho é patente no seguinte poema:

“Tenho o dever de me fechar em casa no meu espírito e trabalhar
quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da
civilização e o alargamento da consciência da humanidade –“

Analogamente a Pompeu, que disse que "navegar é preciso; viver não é preciso", Pessoa diz, no poema Navegar é Preciso, que "viver não é necessário; o que é necessário é criar". Outra interpretação comum deste poema diz respeito ao fato de a navegação ter resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental: a navegação exigiria uma precisão que a vida poderia dispensar.

O poeta mexicano Octavio Paz, laureado com o Nobel de Literatura, diz que "os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia" e que, no caso de Fernando Pessoa, "nada na sua vida é surpreendente — nada, exceto os seus poemas". Em The Western Canon, Harold Bloom incluiu-o entre os cânones ocidentais, no capítulo Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Português (pg. 451, 1995).

Na comemoração do centenário do nascimento de Pessoa, em 1988, o seu corpo foi trasladado para o Mosteiro dos Jerônimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.

Pessoa e o ocultismo

Fernando Pessoa interessava-se pelo ocultismo e pelo misticismo, com destaque para a Maçonaria e a Rosa-Cruz (embora não se lhe conheça qualquer filiação concreta em Loja ou Fraternidade dessas escolas de pensamento), havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas no Diário de Lisboa (4 de Fevereiro de 1935), contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se "No Túmulo de Christian Rosenkreutz". Tinha o hábito de fazer consultas astrológicas para si mesmo (de acordo com a sua certidão de nascimento, nasceu às 15h20, tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gêmeos). Realizou mais de mil horóscopos.

Apreciava também o trabalho do famoso ocultista Aleister Crowley, tendo inclusive traduzido o poema Hino a Pã. Certa vez, lendo uma publicação inglesa de Crowley, encontrou erros no horóscopo e escreveu-lhe para o corrigir. Os seus conhecimentos de astrologia impressionaram Crowley e, como este gostava de viagens, veio a Portugal conhecer o poeta. Acompanhou-o a maga alemã Miss Hanni Larissa Jaeger. O encontro entre Pessoa e Crowley ocorreu com algum sensacionalismo, dado o Poeta Inglês ter simulado o seu suicídio na Boca do Inferno, o que atraiu várias polícias Europeias e a atenção dos média da época. Pessoa estaria dentro da encenação, tendo combinado com Crowley a notificação dos jornais e a redação de um "romance policiário" cujos direitos reverteriam a favor dos dois poetas. Apesar de ter escrito várias dezenas de páginas, essa obra de ficção nunca foi concretizada.

Ficha pessoal

Ficha pessoal (também referida como "Nota autobiográfica", que não é), intitulada no original "Fernando Pessoa", datilografada e assinada pelo escritor em 30 de Março de 1935. Publicada pela primeira vez, muito incompleta, como introdução ao poema À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais, editado pela Editorial Império em 1940. Publicada em versão integral em Fernando Pessoa no seu Tempo, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1988, pp. 17–22.

FERNANDO PESSOA

Nome completo: Fernando António Nogueira de Seabra Pessoa.

Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.

Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto e Director-Geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral: misto de fidalgos e judeus.

Estado civil: Solteiro.

Profissão: A designação mais própria será "tradutor", a mais exata a de "correspondente estrangeiro" em casas comerciais. O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.

Morada: Rua Coelho da Rocha, 16, 1º. Dto. Lisboa. (Endereço postal - Caixa Postal 147, Lisboa).

Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.

Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. É o seguinte o que, de livros ou folhetos, considera como válido: "35 Sonnets" (em inglês), 1918; "English Poems I-II" e "English Poems III" (em inglês também), 1922; livro "Mensagem", 1934, premiado pelo "Secretariado de Propaganda Nacional" na categoria Poema". O folheto "O Interregno", publicado em 1928 e constituído por uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.

Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o Comandante João Miguel Rosa, Cônsul de Portugal em Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o prêmio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.

Ideologia Política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes, votaria, embora com pena, pela República. Conservador do estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reacionário.

Posição religiosa: Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas e, sobretudo, à Igreja Católica. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Posição iniciática: Iniciado, por comunicação direta de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da Ordem dos Templários de Portugal.

Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda a infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: "Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação".

Posição social: Anti-comunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.

Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

Lisboa, 30 de Março de 1935 [em várias edições está o ano de 1933, por lapso]

Fernando Pessoa [assinatura autografada]


Fonte
Cópia do original datilografado e assinado existente na Coleção do Arquiteto Fernando Távora.



CONTINUA NA PRÓXIMA ATUALIZAÇÃO

Sugestões

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terça-feira, 25 de maio de 2010

José Gomes Ferreira


Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná

Poesia Portuguesa


José Gomes Ferreira

Porto - Portugal
1900 - 1985

Introdução

José Gomes Ferreira (1900 - 1985) foi um escritor e poeta português, pai do arquiteto Raul Hestnes Ferreira e do poeta Alexandre Vargas. A vida e obra de José Gomes Ferreira atravessam praticamente todo o século XX. "Até 2000 ainda espero…Depois desisto", dizia ele às vezes nas suas tertúlias de Amigos. Este trabalho procura contribuir para ampliar o conhecimento desse Homem notável, de longos cabelos brancos, e perpetuar a memória dessa figura tão singular da Literatura Portuguesa.

Biografia

Nasceu no Porto a 10 de Junho de 1900. Com quatro anos de idade mudou-se para a capital. Estudou nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com Coimbra, Leonardo, onde teve o primeiro contato com a poesia. Colaborou com Pessoa, Fernando, ainda muito jovem, num soneto para a revista Ressurreição.

A sua consciência política começou a florescer também cedo, sobretudo por influência do pai (democrata republicano). Licencia-se em Direito em 1924, tendo trabalhado posteriormente como Cônsul na Noruega. Paralelamente, seguiu também carreira como compositor, chegando a ter a sua obra "Suite Rústica" estreada pela orquestra de David de Sousa.

Regressa a Portugal em 1930 e dedica-se ao jornalismo. Fez colaborações importantes tais como nas publicações Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, Sr.Doutor e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Também traduziu filmes sob o pseudónimo de Gomes, Álvaro.

Inicia-se na poesia com o poema Viver sempre também cansa em 1931, publicado na revista Presença. Apesar de já ter feito algumas publicações nomeadamente os livros Lírios do Monte e Longe, foi só em 1948 que começou a publicação séria do seu trabalho, com Poesia I e Homenagem Poética a António Gomes Leal (colaboração).

Ganhou em 1961 o Grande Prémio da Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, com Poesia III.

Comparece a todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e, pouco antes do MUD (Movimento Unitário Democrático), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".

Em 1978 foi projetada em Lisboa pelo seu filho Raul Hestnes Ferreira, a Escola Secundária de Benfica que viria ser Escola Secundária de José Gomes Ferreira em sua homenagem.

Tornou-se Presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 1978 e foi candidato em 1979, da APU (Aliança Povo Unido), por Lisboa, nas eleições legislativas intercalares desse ano. Associou-se ao PCP (Partido Comunista Português) em fevereiro do ano seguinte. Foi condecorado pelo Presidente Ramalho Eanes como grande oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo posteriormente o grau de grande oficial da Ordem da Liberdade.

No ano em que foi homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores (1983), foi submetido a uma delicada intervenção cirúrgica. Veio a falecer dois anos depois, a 8 de Fevereiro de 1985, vítima de uma doença prolongada. Em 1990, o Presidente da Câmara de Lisboa, Jorge Sampaio, descerra uma lápide de homenagem ao escritor, na Avenida Rio de Janeiro, sua última morada. Na ocasião discursou o escritor, pintor e amigo de José Gomes Ferreira, Mário Dionísio.

No ano do Centenário do nascimento do Poeta (1900 - 2000), a Videoteca da Câmara Municipal de Lisboa produziu um documentário biográfico sobre José Gomes Ferreira, intitulado Um Homem do Tamanho do Século, já exibido na RTP 2 e na RTP Internacional. Foi realizado por António Cunha (diretor da Videoteca), com uma magnífica interpretação do ator João Mota, declamando diversos poemas de José Gomes Ferreira.Também a Pianista Gabriela Canavilhas participa no documentário, interpretando uma peça musical praticamente inédita, composta por Gomes Ferreira para piano. O documentário pode ser visto na integra, on-line, através do Site da Videoteca Municipal de Lisboa.

Obras


Poesia

• "Lírios do Monte" - 1918

• "Longe" - 1921

• "Marchas, Danças e Canções" (colaboração) - 1946

• "Poesia I" - 1948

• "Homenagem Poética a Gomes Leal" (colaboração) - 1948

• "Líricas" (colaboração) - 1950

• "Poesia II" - 1950

• "Eléctico" - 1956

• "Poesia III" - 1962

• "Poesia IV" - 1970

• "Poesia V" - 1973

• "Poeta Militante I, II e III" - 1978


Ficção

• "O Mundo Desabitado" - 1960

• "O Mundo dos Outros - histórias e vagabundagens" - 1950

• "Os segredos de Lisboa" - 1962

• "Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo" - 1963

• "O Irreal Quotidiano - histórias e invenções" - 1971

• "Gaveta de Nuvens - tarefas e tentames literários" - 1975

• "O sabor das Trevas - Romance-alegoria" - 1976

• "Coleccionador de Absurdos" - 1978

• "Caprichos Teatrais" - 1978

• "O Enigma da Árvore Enamorada - Divertimento em forma de Novela quase Policial" - 1980


Crônicas

• "Revolução Necessária" - 1975

• "Intervenção Sonâmbula" - 1977


Memórias e Diários

• "A Memória das Palavras - ou o gosto de falar de mim" - 1965

• "Imitação dos Dias - Diário Inventado" - 1966

• "Relatório de Sombras - ou a Memória das Palavras II" - 1980

• "Passos Efémeros - Dias Comuns I" - 1990

• "Dias Comuns"


Contos

• "Contos" - 1958

• "Tempo Escandinavo" - 1969


Ensaios e Estudos

• "Guilherme Braga" (colaboração na "Perspectiva da Literatura Portuguesa do séc. XIX") - 1948

• "Líricas" (colaboração) - 1950

• "Folhas Caídas" de Almeida Garrett (introdução) - 1955

• "Contos Tradicionais Portugueses" (colaboração na escolha e comentação; prefácio) - 1958

• "A Poesia de José Fernandes Fafe" - 1963

• "Situação da Arte" (colaboração) - 1968

• "Vietnam (os escritores tomam posição)" (colaboração) - 1968

• "José Régio" (colaboração no "In Memorium de José Régio") - 1970

• "A Filha do Arcediago" de Camilo Castelo Branco (nota preliminar) - 1971

• "Lisboa na Moderna Pintura Portuguesa" (colaboração) - 1971

• "Uma Inútil Nota Preambular" de Aquilino Ribeiro (introdução a "Um Escritor confessa-se") - 1972


Traduções

• "A Casa de Bernarda Alba" de Frederico Garcia Lorca (colaboração)

• "O Livro das Mil e Uma Noites" - 1926


Discografia

• "Poesia" - Philips - 1969 série "Poesia Portuguesa"

• "Poesia IV" - Philips - 1971 série "Poesia Portuguesa"

• "Poesia V" - Decca / Valentim de Carvalho - 1973 série "A Voz e o Texto"

• "Entrevista 12 - José Gomes Ferreira" - Guilda da Música / Sassetti - 1973 série "Disco Falado"


Conhecendo um pouco das suas produções


Longe

Chancelado pela Livraria Bertrand em 1921, o seu livro "Longe" (sonetilhos) é lançado com capa e ex-libris de Humberto Pelágio, tornando-se um sucesso entre o público e os jornais, esgotando-se rapidamente. Foi editado posteriormente (1927) pela "Seara Nova".

Em "Memória das Palavras", J.G.Ferreira explica por que opta por sonetilhos (e não sonetos): "Talvez valha a pena pesquisar, embora pela rama, os motivos dessa preferência que suponho advir do meu ódio aos adjectivos cujo uso considerava (e considero) uma das maiores calamidades da Poesia (na prosa a história é outra), quando não usados com o discernimento de Cesário."

Quanto à "presunção ambiciosa" que presidiu à criação de "Longe", o autor escreve: "Juntar numa síntese propositada várias correntes visíveis da subépoca em que me movia : a grandeza ou a mesquinhez (dependia das conveniências) da Raça; o paternalismo pequeno-burguês em relação ao aldeão, ora apresentado como feliz, ora como mártir consoante as necessidades sentimentais do autor; os derradeiros clarões do saudosismo; a degenerescência aristocrática do simbolismo e até já certo "paulismo" de ouvido."No entanto é o próprio autor que confessa, anos mais tarde, que "essa tendência de síntese (...) destinava-se no fundo a disfarçar mais um desajuste, o 'de si próprio', ao mesmo tempo que realçava um acordo perturbador com a infra-estrutura ambiente quase irreparável".

O vocabulário e temática desta obra ainda se enquadram nos moldes de Pascoaes, do início dos anos 20, mas já com semelhanças com Sá-Carneiro (que embora tivesse morrido cinco anos antes, continuava por revelar) - por exemplo em "Quem reza torna-se em Vago / Fico exilado de mim" - e com a desmistificação histórica de Álvaro de Campos (pseudónimo de F.Pessoa) e a própria sebastiânica mitologia de Pessoa (que só se revela mais tarde, com "Mensagem"):

"Ó Mar das Índias, ó Aia,
embalaste a Nau da Fama;
mas hoje dormes na praia,
a tua doirada cama.
..........................................

...Depois a Nau Catrineta
que é Portugal, ó Poeta,
...encalhou então no Mundo...
E há mais de quinhentos anos
que vós andais, Lusitanos,
a evitar que vá ao fundo..."


É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes
(Crítica à poesia das imagens aos cachos. Como de costume, autocrítica)

É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes
ou chamar à lua a caveira voada da flâmula dum navio pirata!
Mas a poesia - onde está?
A poesia que transforma de repente a música em lâmina
para romper a noite até à solidão dos archotes
que escurecem mais e mais
este abismo absurdo
sem astros de céu vivo
onde as pedras apodrecem
e as andorinhas verdes não saem dos olhos das mulheres?
Mas a outra poesia - onde está?
Essa esperança convicta
de teimar na certeza do nada
com explicações
de papoilas
e esqueletos a abraçarem-se
no amor final já sem sentido de bandeiras?
Sim. Onde está?
Que palavra abre
para além da luz secreta
que os dedos dos mortos acendem no perfume das flores?
Sim. Onde está?
- Poesia de rasgar pedras.
Poesia da solidão vencida.
Poesia das pombas assassinadas.
Poesia dos homens sem morte.

(Eléctrico XLI, Poesia III)



Bibiografia

* Dicionário de Literatura, 5 volumes, COELHO, Jacinto do Prado (dir.lit), 3ªedição, Porto, Figueirinhas, 1992

* Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 20 vols., secretariado por MAGALHÃES, António Pereira Dias; OLIVEIRA, Manuel Alves; 1ª ed., Lisboa, editorial Verbo, 1973

* MARQUES, A.H.de Oliveira Marques, História de Portugal, 8ª ed., 2 vols., Lisboa, Palas Editores, 1980

* DROZ, Bernard, ROWLEY, Anthony, História do séc.XX, 1ªedição, 4 volumes, Lisboa, Publicações D.Quixote, Colecção "Biblioteca de História", 1988 (tradução do francês Histoire générale du XXe siècle, de FAGUNDES, João, s.l., Éditions du Seuil, 1986)

* SARAIVA, António José; LOPES, Óscar, História da Literatura Portuguesa, 6ª ed., Porto, Porto Editora Limitada, s.d.

* TRIGUEIROS, Luís Forjaz, É fácil amar Lisboa, 1ª ed., Lisboa, Editorial Verbo, 1989

* REIS, A.do Carmo, Atlas de História de Portugal, 2ª ed., Lisboa, edições Asa, 1987

*TORRES, Alexandre P., Vida e Obra de José Gomes Ferreira, 1ªedição, Amadora, Livraria Bertrand, 1975

* História de Portugal em datas, coordenado por RODRIGUES, António Simões, 1ªedição, s.l., Círculo de Leitores, 1994

* Dicionário de termos de arte, trad. de Ana Cristina Mântua, Publicações D.Quixote, Lx., 1990

Outras fontes:

* Arquivos de jornais

* Obras do autor José Gomes Ferreira

* Sociedade Portuguesa de Autores



Sugestões
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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Almeida Garrett

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Poesia Portuguesa


Almeida Garrett


João Baptista da Silva Leitão de Almeida e mais tarde visconde de Almeida Garrett, (Porto, 4 de Fevereiro de 1799 — Lisboa, 9 de Dezembro de 1854) foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, Par do Reino, ministro e secretário de Estado honorário português.Grande impulsionador do teatro em Portugal, uma das maiores figuras do romantismo português, foi ele quem propôs a edificação do Teatro Nacional de D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática.


Biografia

Primeiros anos

Garrett nasceu no Porto em 4 de Fevereiro de 1799. No período de sua adolescência foi viver para os Açores, na Ilha Terceira, quando as tropas francesas de Napoleão Bonaparte invadiram Portugal e onde era instruído pelo tio, D. Alexandre, bispo de Angra. Foi também aí que engravidou sua companheira Luisa Midosi.

Presença nas lutas liberais

Almeida Garrett participou na revolução liberal de 1820, de seguida foi para o exílio na Inglaterra em 1823, após a Vilafrancada. Antes casou-se com uma muito jovem senhora Luísa Midosi, que tinha apenas 14 anos. Foi em Inglaterra que tomou contacto com o movimento romântico, descobrindo Shakespeare, Walter Scott e outros autores e visitando castelos feudais e ruínas de igrejas e abadias góticas, vivências que se refletiriam na sua obra posterior.

Em 1824, pode partir para França e assim o fez, nessa viagem escreveu o muitíssimo conhecido Camões (1825) e Dona Branca (1826)não tão conhecido mas não menos importante, poemas geralmente considerados como as primeiras obras da literatura romântica em Portugal. No ano de 1826 foi chamado e regressou à pátria com os últimos emigrados dedicando-se ao jornalismo, fundando e dirigindo o jornal diário O Português (1826-1827) e o semanário O Cronista (1827).

Teria de deixar Portugal novamente em 1828, com o regresso do Rei absolutista D. Miguel. Ainda no ano de 1828 perdeu a sua filha recém-nascida. Novamente em Inglaterra, publica Adozinda (1828).

Juntamente com Alexandre Herculano e Joaquim António de Aguiar, tomou parte no Desembarque do Mindelo e no Cerco do Porto em 1832 e 1833.Desembarque do Mindelo e no Cerco do Porto em 1832 e 1833.

Vida política

A vitória do Liberalismo permitiu-lhe instalar-se novamente em Portugal, após curta estadia em Bruxelas como cônsul-geral e encarregado de negócios, onde lê Schiller, Goethe e Herder. Em Portugal exerceu cargos políticos, distinguindo-se nos anos 30 e 40 como um dos maiores oradores nacionais. Foram de sua iniciativa a criação do Conservatório de Arte Dramática, da Inspeção-Geral dos Teatros, do Panteão Nacional e do Teatro Normal (atualmente Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa). Mais do que construir um teatro, Garrett procurou sobretudo renovar a produção dramática nacional segundo os cânones já vigentes no estrangeiro.Com a vitória cartista e o regresso de Costa Cabral ao governo, Almeida Garrett afasta-se da vida política até 1852. Contudo, em 1850 subscreveu, com mais de 50 personalidades, um protesto contra a proposta sobre a liberdade de imprensa, mais conhecida por “lei das rolhas”.


Litografia de Almeida Garrett por Pedro Augusto Guglielmi
(Biblioteca Nacional de Portugal).

Garrett sedutor

A vida de Garrett foi tão apaixonante quanto a sua obra. Revolucionário nos anos 20 e 30, distinguiu-se posteriormente sobretudo como o tipo perfeito do dândi, ou janota, tornando-se árbitro de elegâncias e príncipe dos salões mundanos.Foi um homem de muitos amores, uma espécie de homem fatal. Separado da esposa, Luisa Midosi, com quem se casou, em 1822, quando esta tinha 14 anos de idade, passa a viver em mancebia com D. Adelaide Pastor até a morte desta, em 1841.

A partir de 1846, a sua musa é a viscondessa da Luz, Rosa Montufar Infante, andaluza casada, desde 1837, com o oficial do exército português Joaquim António Velez Barreiros, inspiradora dos arroubos românticos das Folhas caídas.

Por decreto do Rei D. Pedro V de Portugal datado de 25 de Junho de 1851 Garrett é feito Visconde de Almeida Garrett em vida (tendo o título sido posteriormente renovado por 2 vezes). Em 1852 sobraça, por poucos dias, a pasta do Negócios Estrangeiros em governo presidido pelo Duque de Saldanha.

Falece em 1854, vítima de cancro, em Lisboa, na sua casa situada na atual Rua Saraiva de Carvalho, em Campo de Ourique.

Obras

Teatro

Dá início ao seu projeto de regeneração do teatro português, levando à cena em 1838 Um Auto de Gil Vicente, pouco antes Filipa de Vilhena e, em 1842, O Alfageme de Santarém, todas sobre temas da história de Portugal.

Em 1844 é publicada a sua obra-prima, Frei Luís de Sousa, que um crítico alemão, Otto Antscherl, considerou a "obra mais brilhante que o teatro romântico produziu". Estas peças marcam uma viragem na literatura portuguesa não só na seleção dos temas, que privilegiam a história nacional em vez da antiguidade clássica, como sobretudo na liberdade da ação e na naturalidade dos diálogos e em 1845 foi representada a peça, "Falar a Verdade a Mentir".

Prosa

Em 1843, Garrett publica o Romanceiro e o Cancioneiro Geral, coletâneas de poesias populares portuguesas, e em 1845 o primeiro volume d'O Arco de Santana (o segundo apareceria em 1850), romance histórico inspirado por Notre Dame de Paris de Victor Hugo. Esta obra seduz não só pela recriação do ambiente medieval do Porto, mas sobretudo pela qualidade da prosa, longe das convenções anteriores e muito mais próxima da linguagem falada.

A obra que se lhe seguiu deu expressão ainda mais vigorosa a estas tendencias: Viagens na minha terra, livro híbrido em que impressões de viagem, de arte, paisagens e costumes se entrelaçam com uma novela romântica sobre fatos contemporâneos do autor e ocorridos na proximidade dos lugares descritos (outra inovação para a época, em que predominava o romance histórico). A naturalidade da narrativa disfarça a complexidade da estrutura desta obra, em que alternam e se entrecruzam situações discursivas, estilos, narradores e temas muito diversos.

Poesia

Na poesia, Garrett não foi menos inovador. As duas coletâneas publicadas na última fase da sua vida (Flores sem fruto, de 1844, e sobretudo Folhas Caídas, de 1853) introduziram uma espontaneidade e uma simplicidade praticamente desconhecidas na poesia portuguesa anterior.

Ao lado de poemas de exaltada expressão pessoal surgem pequenas obras-primas de singeleza ímpar como «Pescador da barca bela», ( o que mais li durante o período universitário), próximas da poesia popular quando não das cantigas medievais. A liberdade da metrificação, o vocabulário corrente, o ritmo e a pontuação carregados de subjetividade são as principais marcas destas obras.


Cronologia das obras
• 1819 Lucrécia

• 1821 O Retrato de Vénus; Catão (representação); Mérope (representação)

• 1822 O Toucador

• 1825 Camões

• 1826 Dona Branca

• 1828 Adozinda

• 1829 Lírica de João Mínimo; Da Educação (ensaio)

• 1830 Portugal na Balança da Europa (ensaio)

• 1838 Um Auto de Gil Vicente

• 1841 O Alfageme de Santarém (1842 segundo algumas fontes)

• 1843 Romanceiro e Cancioneiro Geral - tomo 1; Frei Luís de Sousa (representação)

• 1845 O Arco de Sant'Ana - tomo 1; Flores sem fruto

• 1846 Viagens na minha terra; D. Filipa de Vilhena (inclui Falar Verdade a Mentir e Tio Simplício)

• 1848 As profecias do Bandarra; Um Noivado no Dafundo; A sobrinha do Marquês

• 1849 Memória Histórica de J. Xavier Mouzinho da Silveira

• 1850 O Arco de Sant'Ana - tomo 2;

• 1851 Romanceiro e Cancioneiro Geral - tomos 2 e 3

• 1853 Folhas Caídas

• 1871 Discursos Parlamentares e Memórias Biográficas (antologia póstuma)

Publicações periódicas

• 1827 “O cronista”

• 1830 " Memórias de uma África sofrida”

Obras de Garrett ordenadas e completas

Poemas

• Hino Patriótico, poema. Porto, 1820

• Ao corpo académico, poema. Coimbra 1821

• Retrato de Vénus, poema Coimbra, 1821

• Camões, poema. Paris, 1825

• Dona Branca ou a Conquista do Algarve, poema. Paris, 1826 (pseud. de F. E.)

• Adozinda, poema. Londres, 1828

• Lyrica de João Mínimo. Londres, 1829

• Miragaia, poesia. Lisboa, 1844 (eBook)

• Flores sem Fruto, poesia. Lisboa, 1845

• Os Exilados, À Senhora Rossi Caccia , poesia. Lisboa, 1845

• Folhas Caídas, poesia. Rio de Janeiro e depois Lisboa,1853

• Camões, poema. 4ª ed. revista, com estudo de Camilo Castelo Branco. Porto, 1854

Obras póstumas

• Dona Branca ou a Conquista do Algarve, poema. Porto Alegre, 1859

• Dona Branca ou a Conquista do Algarve, poema. Nova York, 1860

• Bastardo do Fidalgo, poema. Porto, 1877

• Odes Anacreônticas: Ilha Graciosa. Évora, 1903

• A Anália, poesia inédita de Garrett. Lisboa 1932 (redac., Porto 1819)

• Magriço ou Os Doze de Inglaterra, poema. Coimbra, 1948

• Roubo das Sabinas, poemas libertinos I. Lisboa, 1968

• Afonseida, ou Fundação do Império Lusitano, poema. Lisboa 1985 (pseud.: Josino Duriense, redac., Angra 1815-16)

• Poesias Dispersas. Lisboa, 1985

• Magriço e os Doze de Inglaterra, poema incompleto, Lisboa, 1914

Peças teatrais

• Catão, tragédia. Coimbra, 1822

• Catão, tragédia. Londres, 1830

• Catão, tragédia. Rio de Janeiro, 1833

• Mérope, tragédia. Lisboa, 1841

• O Alfageme de Santarém ou A Espada do Condestável. Lisboa, 1842

• Um Auto de Gil Vicente. Lisboa, 1842

• Frei Luís de Sousa, 1843 (eBook)

• Dona Filipa de Vilhena, comédia. Lisboa, 1846

• Falar Verdade a Mentir, comédia. Lisboa 1846

• A Sobrinha do Marquês, 1848

• Camões do Rossio, comédia. Lisboa, 1852 (co-autoria de Inácio Feijó)

Obras póstumas

• Um noivado no Dafundo ou cada terra com seu uso cada roca com seu fuso: provérbio n'um acto. 1ª ed. Lisboa, 1857 (redac., Lisboa, 1847)

• Átala, drama. Lisboa, 1914 (redac., Coimbra 1817),

• Lucrécia, tragédia, Lisboa, 1914

• Afonso de Albuquerque, tragédia; Lisboa, 1914

• Sofonisba, tragédia; Lisboa, 1914

• O Amor da Pátria, elogio dramático; Lisboa, 1914

• La Lezione Agli Amanti, ópera bufa; Lisboa, 1914

• Conde de Novion, comédia; Lisboa, 1914

• Édipo em Colona, tragédia. Lisboa, 1952 (redac.: Porto 1820)

• Ifigénia em Tauride, tragédia. Lisboa, 1952 (redac., Angra do Heroísmo 1816)

• Falar Verdade a Mentir, comédia. Rio de Janeiro, 1858

• As Profecias do Bandarra, comédia. Lisboa, 1877 (redac., Lisboa 1845)

• Os Namorados Extravagantes, drama. Coimbra 1974 (redac., Sintra 1822)

• Impronto de Sintra, comédia. Lisboa, Guimarães, Libanio, ???? (redac., Sintra, 1822)

Artigos, ensaios, biografias e folhetos

• Proclamações Académicos, Coimbra, 1820, folhetos

• O Dia Vinte e Quatro de Agosto, ensaio político. Lisboa, 1821, 53 p.

• Aos Mortos no Campo da Honra de Madrid, folheto. Lisboa, Jornal da Sociedade Literária Patriótica, 1822

• Da Europa e da América e de Sua Mútua Influência na Causa da Civilização e da Liberdade, ensaio político. Londres 1826

• Da Educação. Londres, 1829

• Portugal na Balança da Europa: do que tem sido e do que ora lhe convém ser na nova ordem de coisas do mundo civilizado, Londres, 1830

• Relatório dos Decretos nº 22, 23 e 24 (Reorganização da Fazenda, Administração Pública e Justiça). Lisboa, 1832, folheto

• Manifesto das Cortes Constituintes à Nação, folheto. Lisboa, 1837

• Necrologia do Conselheiro Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, Lisboa, 1838

• Relatório ao Projecto de Lei sobre a Propriedade Literária e Artística, Lisboa, 1839

• Memória Histórica do Conselheiro A. M. L. Vieira de Castro, Lisboa, 1843

• Conselheiro J. B. de Almeida Garrett, autobiografia. Lisboa, 1844

• Memória Historica da Duqueza de Palmella: D. Eugénia Francisca Xavier Telles da Gama, Lisboa, 1845

• Memória Histórica do Conde de Avilez, 1ª ed., Lisboa, 1845

• Da Poesia Popular em Portugal, ensaio literário. Lisboa, 1846

• Sermão pregado na dedicação da capela de Nª Srª da Bonança, folheto, Lisboa, 1847

• A Sobrinha do Marquês, Lisboa, 1848, 176 p.

• Memória Histórica de J. Xavier Mousinho da Silveira, Lisboa, 1849

• Necrologia de D.ª Maria Teresa Midosi, Lisboa, 1950

• Protesto Contra a Proposta sobre a Liberdade de Imprensa, abaixo-assinado/folheto. Lisboa 1850 (subscrito, à cabeça, por Alexandre Herculano e mais cinquenta personalidades, contra o projeto de «lei das rolhas» apresentado pelo governo)

Obras póstumas

• Discursos Parlamentares e Memorias Biographicas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, 438, p.

• Necrologia do Sr. Francisco Krus; Monumento ao Duque de Palmela, D. Pedro de Sousa Holstein, Lisboa, 1899 (redac., Lisboa, 1839);

• Memórias Biográficas, Lisboa, Empreza da História de Portugal, 1904

• Necrologia à Morte de D. Leocádia Teresa de Lima e Melo Falcão Vanzeler, Lisboa, 1904 (redac., Lisboa, 1848)

• Apontamentos Biográficos do Visconde d'Almeida Garrett, autobiografia. Porto, 1916

• Entremez dos Velhos Namorados que Ficaram Logrados, Bem Logrados, Lisboa, 1954 (redac., 1841)

Romances, cancioneiros e contos

• Bosquejo da História da Poesia e da Língua Portuguesa, Paris, 1826

• Lealdade, ou a Vitória da Terceira, canção. Londres, 1829

• Romanceiro e Cancioneiro Geral, vol. I. Lisboa, 1843

• O Arco de Sant'Ana, romance. Lisboa, na Imprensa Nacional, 1845, vol. 1

• Viagens na Minha Terra, romance. Lisboa, Typ. Gazeta dos Tribunais, 1846, 2 v. (Vol. I (eBook); Vol. II (eBook); 2 vol. juntos (eBook))

• O Arco de Sant'Ana, romance. Lisboa, na Imprensa Nacional, 1850, vol. 2

• Romanceiro e Cancioneiro Geral, vols. II e III, Lisboa 1851

Obras póstumas

• Helena: fragmento de um romance inédito. Lisboa, 1871

• Memórias de João Coradinho, aventuras picarescas. Lisboa, 1881 (redac., 1825)

• Joaninha dos Olhos Verdes. Lisboa, 1941

• Komurahi - História Brasileira, conto. 1956 (redac., 1825)

• Cancioneiro de romances, xácaras e soláus e outros vestígios da antiga poesia nacional. Lisboa, 1987 (redac., 1824)

Cartas e diários

• Carta de Guia para Eleitores, em Que se Trata da Opinião Pública, das Qualidades para Deputado e do Modo de as Conhecer, ensaio político. Lisboa, 1826

• Carta de M. Cévola ao futuro editor do primeiro jornal liberal que em português se publicar, panfleto político. Londres, 1830 (pseud.: Múcio Cévola)

• Carta sobre a origem da língua portuguesa, ensaio literário. Lisboa, 1844

Obras póstumas

• Diário da minha viagem a Inglaterra, Lisboa 1881 (redac., Birmingham, 1823

• Cartas a Agostinho José Freire, Lisboa, 1904, 132 p. (redac., Bruxelas, 1834)

• Cartas Íntimas, edição revista, coordenada e dirigida por Teófilo Braga. Lisboa, Empresa da História de Portugal, 1904, 172 p.

• Cartas de Amor à Viscondessa da Luz, Lisboa, 1955

• Correspondência do Conservatório, Lisboa, 1995 (redac.: Lisboa 1836 – 1841)

• Cartas de Amor à Viscondessa da Luz

Discursos

• Oração Fúnebre de Manuel Fernandes Tomás, Lisboa, 1822

• Parnaso Lusitano ou Poesias Selectas de Autores Antigos e Modernos, Paris, 1826-1827, 5 v.

• Elogio Fúnebre de Carlos Infante de Lacerda, Barão de Sabrozo, Londres, 1830

• Da formação da segunda Câmara das Côrtes: discursos pronunciados pelo deputado J. B. de Almeida Garrett nas sessões de 9 a 12 de Outubro de 1837, Lisboa, Imprensa Nacional, 1837

• Discurso do Sr. Deputado pela Terceira J. B. de Almeida Garrett na discussão, Lisboa, 1840

• Discurso do Sr. Deputado por Lisboa J. B. de Almeida Garrett, na discussão da Lei da Decima, Lisboa, 1841

• Discussão da Resposta ao Discurso da Coroa, pronunciado na sessão de 8 de Fevereiro de 1840, Lisboa, 1840

• Elogio Histórico do Sócio Barão da Ribeira de Saborosa, Lisboa, 1843

• Parecer da Comissão sobre a Unidade Literária, Lisboa, 1846 (dito Parecer sobre a Neutralidade Literária, da Associação Protectora da Imprensa Portuguesa, assinado por Rodrigo da Fonseca Magalhães, Visconde de Juromenha, Alexandre Herculano e João Baptista de Almeida Garrett)

Obras póstumas

• Política: reflexões e opúsculos, correspondência diplomática. Lisboa, 1904, 2 v.

Participação em publicações periódicas

• Toucador - Periódico sem política, dedicado às senhoras portuguesas. Lisboa, 1822 (direcção e redacção)

• Heraclito e Demócrito. Lisboa, 1823

• Português - Diário político, literário e comercial. Lisboa, 1826 – 1827 (direcção e redacção)

• Cronista - Semanário de política, literatura, ciências e artes. Lisboa, 1827 (direcção e redacção)

• Chaveco Liberal. Londres, 1829 (direcção e redacção)

• Precursor. Londres, 1831

• Português Constitucional. Lisboa, 1836 (direcção e redacção)

• Entreacto, Jornal de Teatros. Lisboa, 1837 (fundação, direcção e redacção)

• Jornal do Conservatório. Lisboa, 1841 (fundação)

• Jornal das Belas-Artes. Lisboa, 1843 – 1846 (fundação)

• Ilustração - Jornal Universal. Lisboa, 1845 – 1846 (fundação)



Alguns poemas de Garret:

Não te Amo

Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.
E eu n 'alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.

Destino

Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta -"Floresce!"-
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?

Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.


Este inferno de amar

Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é vida – e que a vida destrói.
Como é que se veio atear,
Quando – ai se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… foi um sonho.
Em que a paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele olhar…
Quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… Dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? Eu que fiz? Não o sei;
Mas nessa hora a viver comecei…
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.



Pescador da Barca Bela
Poema publicado em Folhas Caídas


Pescador da barca bela,
Onde vás pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!


O sujeito poético aponta ao destinatário (pescador=homem) os perigos do mar (da vida) e lança-lhe um apelo para que fuja desses perigos, enquanto é tempo.

Há no desenvolvimento do assunto, um clima de fatalidade que se vai desenrolando em rampa crescente. Assim a fatalidade é logo sugerida pelo título "barca bela", porque aqui o maior perigo está na sedução e a "barca bela/que é tão bela" (de notar a insistência na beleza) é já símbolo de sedução (o homem poderá embarcar no engano). Por isso, o sujeito poético lança o primeiro aviso: "onde vais pescar com ela/que é tão bela/Oh pescador!"

E o clima de fatalidade aumenta, quando o sujeito poético avisa que "a última estrela/No céu nublado se vela". É o perigo da escuridão. Note-se ainda a mensagem fatal inserida na palavra "estrela".

Na terceira estrofe aparece a palavra "sereia", simbolicamente aqui usada para designar os perigos que esperam o pescador (o homem). Barca bela, sereia - símbolos do perigo, do perigo que está na sedução. Por isso, "cautela, oh pescador!"

O perigo vai aumentando ainda, pois aparecem já, na quarta estrofe, os efeitos desastrosos de se navegar para a perdição: "perdido é remo e vela/só de vê-la..."

E o perigo, o medo dele, atinge o ponto culminante na última estrofe: "Pescador da barca bela/Inda é tempo, foge dela/Foge dela...". Notem a repetição de "foge dela", vincando a urgência de fugir de tão grande perigo. Excelente para ser declamado em Jogos Florais!

Relevância na literatura portuguesa

No século XIX e em boa parte do século XX, a obra literária de Garrett era geralmente tida como uma das mais geniais da língua, inferior apenas à de Camões. A crítica do século XX (notavelmente João Gaspar Simões) veio questionar esta apreciação, assinalando os aspectos mais fracos da produção garrettiana.

No entanto, a sua obra conservará para sempre o seu lugar na história da literatura portuguesa, pelas inovações que a ela trouxe e que abriram novos rumos aos autores que se lhe seguiram. Garrett, até pelo acentuado individualismo que atravessa toda a sua obra, merece ser considerado o autor mais representativo do romantismo em Portugal.


Bibliografia pesquisada

- António José Saraiva e Óscar Lopes - História da Literatura Portuguesa, Porto, Porto Editora, 1975

- BARREIROS, António José, História da Literatura Portuguesa, Volume 1, Edição do Autor, Braga,1996.

-COELHO, Jacinto do Prado , Dicionário de Literatura, Livraria Figueirinhas, Porto, 1981.

- MOREIRA, Vasco, PIMENTA, Hilário, Dimensão Comunicativa - 11.ºAno, Porto, Porto Editora,1998.

-QUINTELA, Dulce et alii, Temas de Língua e Cultura Portuguesa, Lisboa, Editorial Presença, Junho,1980.

-Leituras - Revista da Bibilioteca Nacional, n.º 4, Primavera de 1999 (número consagrado a Almeida Garrett, e integrado nas comemorações do Bicentenário do seu nascimento);

Sítios Web sobre o escritor

Instituto Camões - Biografia, Bibliografia, Testemunhos e Estudos sobre Almeida Garrett
http://www.instituto-camoes.pt/escritores/garrett.htm

Biografia de Almeida Garrett
http://www.arqnet.pt/portal/biografias/garrett.html

Biblioteca Nacional - Vida e Obra de Almeida Garrett
http://bnd.bn.pt/ed/garrett/  

Almeida Garrett - roteiro bio-bibliográfico
http://www.malhatlantica.pt/jorgefborges/almeida.htm

Projecto Vercial - Vida, Cronologia e Obra de Almeida Garrett
http://www.ipn.pt/literatura/garrett.htm



Sugestões

Realização


segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mário de Sá-Carneiro

Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná


MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO



Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de Maio de 1890 — Paris, 26 de Abril de 1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do Modernismo em Portugal e um dos mais renomados membros da Geração d’Orpheu.


Biografia

Nasceu, no seio de uma abastada família alto-burguesa, sendo filho e neto de militares. Órfão de mãe com apenas dois anos (1892), ficou entregue ao cuidado dos avós, indo viver para a Quinta da Vitória, na freguesia de Camarate, às portas de Lisboa, aí passando grande parte da infância.

Inicia-se na poesia com doze anos, sendo que aos quinze já traduzia Victor Hugo, e com dezesseis, Goethe e Schiller. No liceu teve ainda algumas experiências episódicas como ator, e começa a escrever.

Em 1911, com dezenove anos, vai para Coimbra, onde se matricula na Faculdade de Direito, mas não conclui sequer o ano. Aí, contudo, viria a conhecer aquele que foi, sem dúvida, o seu melhor e mais compreensivo amigo – Fernando Pessoa –, o qual, em 1912, o introduziu no ciclo dos modernistas.

Desiludido com a «cidade dos estudantes», segue para Paris a fim de prosseguir os estudos superiores, com o auxílio financeiro do pai. Cedo, porém, deixou de frequentar as aulas na Sorbonne, dedicando-se a uma vida boémia, deambulando pelos cafés e salas de espectáculo, chegando a passar fome e debatendo-se com os seus desesperos, situação que culminou na ligação emocional com uma uma prostituta, a fim de combater as suas frustrações e desesperos.

Na capital francesa viria a conhecer Guilherme de Santa-Rita (Santa-Rita Pintor). Inadaptado socialmente e psicologicamente instável, foi neste ambiente que compôs grande parte da sua obra poética e a correspondência com o seu confidente Pessoa; é, pois, entre 1912 e 1916 (o ano da sua morte), que se inscreve a sua fugaz – e no entanto assaz profícua – carreira literária.

Entre 1913 e 1914 vem a Lisboa com certa regularidade, regressando à capital devido à deflagração do conflito entre a Sérvia e a Áustria-Hungria, o qual a breve trecho se tornou uma conflagração à escala europeia – a I Guerra Mundial. Com Pessoa e ainda Almada-Negreiros integrou o primeiro grupo modernista português (o qual, influenciado pelo cosmopolitismo e pelas vanguardas culturais europeias, pretendia escandalizar a sociedade burguesa e urbana da época), sendo responsável pela edição da revista literária Orpheu (e que por isso mesmo ficou sendo conhecido como a Geração d’Orpheu ou Grupo d’Orpheu), um verdadeiro escândalo literário à época, motivo pelo qual apenas saíram dois números (Março e Junho de 1915; o terceiro, embora impresso, não foi publicado, tendo os seus autores sido alvo da chacota social) – ainda que hoje seja, reconhecidamente, um dos marcos da história da literatura portuguesa, responsável pela agitação do meio cultural português, bem como pela introdução do modernismo em Portugal.

Em Julho de 1915 regressa a Paris, escrevendo a Pessoa cartas de uma crescente angústia, das quais ressalta não apenas a imagem lancinante de um homem perdido no «labirinto de si próprio», mas também a evolução e maturidade do processo de escrita de Sá-Carneiro.

Uma vez que a vida que trazia não lhe agradava, e aquela que idealizava tardava em se concretizar, Sá-Carneiro entrou numa cada vez maior angústia, que viria a conduzi-lo ao seu suicídio prematuro, perpetrado no Hôtel de Nice, no bairro de Montmartre em Paris, com o recurso a cinco frascos de arseniato de estricnina.

Contava tão-só vinte e seis anos. Extravagante tanto na morte como em vida (de que o poema Fim é um dos mais belos exemplos), convidou para presenciar a sua agonia o seu amigo José de Araújo. E apesar de o grupo modernista português ter perdido um dos seus mais significativos colaboradores, nem por isso o entusiasmo dos restantes membros esmoreceu – no segundo número da revista Athena, Pessoa dedicou-lhe um belo texto, apelidando-o de «génio não só da arte como da inovação dela», e dizendo dele, retomando um aforismo das Báquides (IV, 7, 18), de Plauto, que «Morre jovem o que os Deuses amam» (tradução literal de Quem di diligunt adulescens moritur).

Verdadeiro insatisfeito e inconformista (nunca se conseguiu entender com a maior parte dos que o rodeavam, nem tão pouco ajustar-se à vida prática, devido às suas dificuldades emocionais), mas também incompreendido (pelo modo com os contemporâneos olhavam o seu jeito poético), profetizou acertadamente que no futuro se faria jus à sua obra, no que não falhou.

Com efeito, reconhecido no seu tempo apenas por uma fina élite, à medida que a sua obra e correspondência foi publicada, ao longo dos anos, tornou-se acessível ao grande público, sendo atualmente considerado um dos maiores expoentes da literatura moderna em língua portuguesa. Embora não tenha a mesma repercussão de Fernando Pessoa, a sua genialidade é tão grande (senão mesmo maior) que a de Pessoa, mas porém muito mais próxima da loucura que a do seu amigo.

A terra que o acolheu na infância – Camarate –, e a quem ele dedicou também algumas das suas poesias, homenageou-o, conferindo o seu nome a uma escola local. O seu poema Fim foi musicado por um grupo português no final dos anos 1980, os Trovante. Mais tarde, o seu poema O Outro foi também musicado pela cantora brasileira Adriana Calcanhotto.

As suas influências literárias são de Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Stéphane Mallarmé, Fiódor Dostoievski, Cesário Verde e António Nobre. Este escritor influenciou vários escritores, entre eles Eugénio de Andrade.

Obras


Na fase inicial da sua obra, Mário de Sá-Carneiro revela influências de várias correntes literárias, como o decadentismo, o simbolismo, ou o saudosismo, então em franco declínio; posteriormente, por influência de Pessoa, viria a aderir a correntes de vanguarda, como o interseccionismo, o paulismo ou o futurismo.

Nessas pôde exprimir com à-vontade a sua personalidade, sendo notórios a confusão dos sentidos, o delírio, quase a raiar a alucinação; ao mesmo tempo, revela um certo narcisismo e egolatria, ao procurar exprimir o seu inconsciente e a dispersão que sentia do seu «eu» no mundo – revelando a mais profunda incapacidade de se assumir como adulto consistente.

O narcisismo, motivado certamente pelas carências emocionais (era órfão de mãe desde a mais terna puerícia), levou-o ao sentimento da solidão, do abandono e da frustração, traduzível numa poesia onde surge o retrato de um inútil e inapto. A crise de personalidade levá-lo-ia, mais tarde, a abraçar uma poesia onde se nota o frenesi de experiências sensórias, pervertendo e subvertendo a ordem lógica das coisas, demonstrando a sua incapacidade de viver aquilo que sonhava – sonhando por isso cada vez mais com a aniquilação do eu, o que acabaria por o conduzir, em última análise, ao seu suicídio.

Embora não se afaste da metrificação tradicional (redondilhas, decassílabos, alexandrinos), torna-se singular a sua escrita pelos seus ataques à gramática, e pelos jogos de palavras. Se numa primeira fase se nota ainda esse estilo clássico, numa segunda, claramente niilista, a sua poesia fica impregnada de uma humanidade autêntica, triste e trágica.

Por fim, as cartas que trocou com Pessoa, entre 1912 e o seu suicídio, são como que um autêntico diário onde se nota paralelamente o crescimento das suas frustrações interiores.

Amizade (1912)

Publicada em 1912, Amizade, é a primeira peça que escreve. Mário de Sá-Carneiro divide a autoria desta obra com Tomás Cabreira Júnior, seu colega do Liceu Camões em Lisboa. O fato de hoje podermos ler esta peça deve-se a um acaso. Dos dois colegas e autores da peça Amizade, Tomás Cabreira Júnior era o único dos dois que tinha os manuscritos. Por qualquer motivo era Sá-Carneiro quem os tinha consigo quando do suicídio de Tomás Cabreira Júnior, que antes de cometer tal ato destruiu toda a sua obra.

Princípio (1912)

No ano de 1912, o autor dá à estampa um conjunto de novelas que reune sob o título Princípio.

A Confissão de Lúcio (1913)

Inaugurando um estilo até então em si desconhecido, o romance, Mário de Sá-Carneiro publica, em 1913, A Confissão de Lúcio. A temática desta obra gira em torno do fantástico e é um ótimo espelho da época de vanguarda que foi o modernismo português.

Dispersão (1914)

O ano de 1913 veio a revelar-se de uma pujança criativa inigualável. Não só variou dentro da prosa, como apresenta ao público a sua primeira obra de poesia: Dispersão. Esta obra é composta por doze poemas e a sua primeira edição foi revista quer pelo autor quer pelo seu grande amigo, e também poeta, Fernando Pessoa.

Céu em Fogo (1915)

Em 1915, volta a reunir novelas, mais precisamente oito, num volume a que dá o título de Céu em Fogo. Estas novelas revelam igualmente as mesmas perturbações e obsessões que já a sua poesia expressava.

Obras Póstumas

Nem tudo aquilo que Sá-Carneiro produziu em vida viu ser publicado, ainda que muitas coisas, além dos seus livros, tenha deixado espalhadas pelas publicações em que participou, como as revistas Orpheu ou Portugal Futurista.

Indícios de Oiro (1937)

Do que Mário de Sá-Carneiro não chegou a publicar em vida Indícios de Oiro, publicada em 1937 pela revista Presença, é o conjunto de trabalhos seus mais significativo do conjunto da sua obra.

Correspondência

A sua correspondência com outros membros do Orpheu foi também reunida em volumes póstumos: Cartas a Fernando Pessoa (2 vols., 1958-1959), Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Luís de Montalvor, Cândia Ramos, Alfredo Guisado e José Pacheco (1977), Correspondência Inédita de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa (1980).

Tradução

De Sá-Carneiro existe ainda uma tradução da peça Les Fossiles, de François de Curel, em parceria com António Ponce de Leão.

A obra de Mário Sá-Carneiro está intimamente relacionada à sua vivência pessoal, ou seja, revela toda a sua inadaptação ao mundo e a constante busca do seu próprio eu. Isso faz com que o poeta mergulhe no seu mundo interior e, diferente de Fernando Pessoa, que se desdobrou em heterônimos, atinja a autodestruição. Para o bom entendimento da obra de Mário de Sá Carneiro é necessária a análise das "Cartas a Fernando Pessoa", publicadas postumamente.



Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Dispersão, de Mário de Sá-Carneiro

Primeiro livro de poesias de Sá-Carneiro, poeta de dispersão interior, Dispersão revela logo no título a dificuldade de concentração, a pluralidade de opções com que o seu interior se confrontava, anunciando já o termo trágico que daria à sua vida. Contém 12 poemas e é a busca do ideal inacessível, o mundo de sonhos onde o poeta se sente bem:

Um pouco mais de sol eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além;
E o grande sonha despertado em bruma,
O grande sonha – ó dor! – quase vivido...

Dispersão e Além-Tédio são poemas significativos da tristeza, exprimem o tédio endurecido e a dor "de ser-quase" que o faz ter saudades da morte. A propósito dos poemas de Dispersão, o poeta não se integra no mundo, o que lhe causa por vezes um sofrimento de morte. Sá-Carneiro seria destruído pela sua poesia e em proveito dela.

O dualismo de Sá-Carneiro revela-se também através da oposição, antítese, na definição de si mesmo, na impossibilidade de reconciliação entre o poeta e o mundo, entre a alma e o corpo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
– Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse – ou homem ou mulher,
E não logro nunca possuir.

Eis a confissão de Ricardo a Lúcio explicitada no poema Como eu não possuo. Ricardo confessa ainda: estes desejos materiais (...) não julgue que os sinto na minha carne; sinto-os na minha alma. Está aqui bem nítida essa impossibilidade de reconciliação entre a alma e o corpo. Esta dicotomia integral conduzirá fatalmente à dispersão. Em Mário de Sá-Carneiro tudo é brumoso, difuso, velado, tosco, nevoento, tudo é tarde, crepúsculo, poente, fim de dia, noite, sombras, trevas, numa palavra mistério. Os próprios títulos indicam uma atmosfera nebulosa, mal definida:

Intersonho, Vontade de dormir, Dispersão, Quase, Alem- Tédio.

O primeiro poema de Dispersão, intitulado Partida, exprime o supra-eu do poeta, o seu ideal, a promessa de grandeza e do gênio que se sente em si. Já neste poema Sá-Carneiro toma consciência da dicotomia dispersiva do seu ser. Temos no poema:

Ao triunfo maior, avante pois!
O meu destino e outro – é alto e é raro.
Unicamente custa muito caro:
A tristeza de nunca sermos dois.

No livro Dispersão ainda se notam ressaibos de expressão simbolista. Contudo, é já um livro moderno pela atenção que da ao existencial. Verificamos ao longo do livro o desespero do poeta causado pela dicotomia de não conseguir alcançar o celeste, o divino, o ideal. Assim, a sua alma está nostálgica de além. Patente está também o desespero de não se adaptar à vida, porque um domingo é família, / É bem-estar, é singeleza,! E os que olham a beleza / Não têm bem-estar nem família. A busca e a dispersão de si mesmo são a linha de conduta de todo o livro. O poeta, num desabafo desesperante, diz: Perdi-me dentro de mim / Porque eu era labirinto, / E hoje, quando me sinto, / E com saudades de mim. A dor de não ser quase e o desejo de equilíbrio também estão presentes, assim como o narcisismo enternecido que por fim se transformara em desprezo e o levará a dizer: O pobre moço das ânsias... / Tu, sim, tu eras alguém! / E foi por isso também / Que te abismaste nas ânsias.

Na essência da sua poesia surge a busca do seu ideal de poeta, a renuncia que dele exige. Tudo constitui um mundo de dúvidas, de ânsias, de angustias. A poesia de Sá-Carneiro nasceu madura, na plena posse dos seus recursos. O poema Dispersão, publicado na revista Europa, foi aplaudido por Fernando Pessoa e segue abaixo.

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...
u, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro —
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... Mas recordo

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...

E sinto que a minha morte —
Minha dispersão total —
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas Pra se dar
Ninguém mas quis apertar
Tristes mãos longas e lindas

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me na alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em urna bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida,
Eu sigo-a, mas permaneço,...
..................................
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba
......................................



Biografia de uma Amizade


1888

13 de Junho: Nasce Fernando Pessoa, em Lisboa, no Largo de S. Carlos, 4, 4. 0, esq., pelas 15 horas.

1890

19 de Maio: Nasce Mário de Sá-Carneiro, em Lisboa, na Rua da Conceição, 93, 3.°, pelas 15 horas.

1912

29 de Agosto Mário de Sá-Carneiro na dedicatória (manuscrita) de Princípio: «Ao seu querido amigo Fernando Pessoa - ao alto espirito, ao artista, ao pensador of. com um grande abraço». Os dois escritores tinham-se conhecido pouco tempo antes.

13 de Outubro Mário de Sá-Carneiro parte, no sudexpress, para Paris. Fernando Pessoa vai (com outros amigos despedir-se dele à estação do Rossio).

16 de Outubro Primeiro postal de Sá-Carneiro, que se instalara provisoriamente no Hotel Richemond (rue du Helder, Paris), para Fernando Pessoa (que vivia então na R. Passos Manuel, 24, 3.°): "Óptimo. Por hoje apenas um grande abraço do seu muito amigo".

20 de Outubro Primeira carta de Sá-Carneiro para Pessoa. Pede-lhe que só lhe escreva depois de lhe mandar novo endereço, o que fará 8 dias depois: escreva para Grand Hôtel du Globe - 50, Rue des Ecoles.

12 de. Novembro Sá-Carneiro recebe a primeira carta de Pessoa, que lhe manda recortes de jornais portugueses e uma poesia sua, que Sá-Carneiro dirá «belíssima».

14 de Novembro Sá-Carneiro obtém o cartão de estudante de Direito da Sorbonne, mas confessa-se deprimido, e mostrar-se-á sempre preocupado com a literatura e com as cartas sobre ela - não com os estudos.

2 de Dezembro Sá-Carneiro fala a Pessoa em suicídio, embora afastando a hipótese de o vir a praticar, elogia o ensaio A Nova Poesia Portuguesa que Pessoa publicou na Âguia, e lastima - o que fará noutras ocasiões - que Pessoa só apareça comli' critico e não como «Artista» e «Poeta».

5 de Dezembro Pessoa oferece-se para fazer publicar «O Homem dos Sonhos» e ver as provas - tarefa de que Sá-Carneiro nunca mais o dispensará em relação aos seus livros.

1913

7 de Janeiro Sá-Carneiro recebe uma carta de Pessoa (em que lhe fala do livro de poemas que projecta, Gládio) e refere a alegria que lhe dão as cartas do seu amigo, que considera «bom e sincero, lúcido, inteligente = Grande».

21 de Janeiro Sá-Carneiro submete a Pessoa o plano e a descrição do livro que projecta, Além/Sonhos, e em que pensa colocar como epigrafe o verso inédito de Pessoa: «o que sonhei, morri-o», tal como pensa dedicar a Pessoa «O Homem dos Sonhos», ou outra narrativa (e a dedicatória aparece na publicação inicíal de «O Homem dos Sonhos» mas passa depois para «A grande sombra»).

3 de Fevereiro Sá-Carneiro mostra. entusiasmo por alguns poemas que lhe mandou Pessoa e insiste na necessidade de ele «prendre date» como poeta.

10 de Março Sá-Carneiro, que mandara a Pessoa o Mercure de France, recebe dele o Teatro, e dá-lhe a liberdade de modificar como quiser a pontuação (e outros aspectos) da sua prosa.

6 de Maio Sá-Carneiro envia a Pessoa o plano do livro Dispersão e continuará a submeter-lhe os textos que vai escrevendo; Pessoa fará o mesmo.

8 de Maio Pessoa confessa a Sá-Carneiro, que agradece e concorda: «Afinal estou em crer que em plena altura, pelo menos quanto a sentimento artístico, há em Portugal só nós dois».

Pessoa sugere a Sá-Carneiro a publicação de uma revista, «Esfinge», para marcar e agitar; Sá-Carneiro dispõe-se a responsabilizar-se pela despesa.

19 de Junho Sá-Carneiro anuncía a Pessoa a sua chegada 4 dias depois a Lisboa, e exprime o desejo «de o ver na estação».

23 de Junho de 1913 a 22 de Maio de 1914 Pessoa e Sá-Carneiro encontram-se com frequência em cafés lisboetas (Martinho, Montanha, Jansen, Brasileira, etc.) e na casa de amigos ou do próprio Sá-Carneiro, que lê sempre a Pessoa os textos que vai escrevendo; solicitado às vezes por bilhetes, alguns deles enviados da quinta de Camarate, Pessoa ajudá-lo-á também a rever as provas de A Confissão de Lúcio e de Dispersão, obras distribuídas ainda antes do fim de 1913. O exemplar de Dispersão que coube a Pessoa tinha a seguinte dedicatória: «A Fernando Pessoa, ao grande espirito, ao admirável Poeta - intensa admiração e funda amizade do muito seu Mário Sá-Carneiro». Em Março de 1914, Pessoa atravessa o seu momento mais «triunfal»: vê aparecer Alberto Caeiro e, logo a seguir, Alvaro de Campos. Este «escreverá» o «Opiário», que é dedicado «Ao senhor Mário de Sá¬-Carneiro».

1914

22 de Maio Sá-Carneiro volta para Paris, enquanto Pessoa passa a viver com a tia Ana Luísa, na R. Pascoal de Meio, 119,3.°, Dt.o.

3 de Junho Primeiro dos muitos pedidos de Sá-Carneiro a Pessoa para se dirigir aos livreiros, saber ou tratar da venda dos seus livros, e lhe enviar o dinheiro. Tudo indica que Pessoa nunca deixou de satisfazer os pedidos do amigo.

12 de Junho Sá-Carneiro informa Pessoa que seu pai está em Paris (até 15). e felicita-o pela passagem do seu 26 aniversário.

Meados de Junho Pessoa envia a Sá-Carneiro a «Ode Triunfal», de que ele dirá maravilhas, e anuncia-he o nascimento de Ricardo Reis, cujas odes são também apreciadas com entusiasmo por Sá-Carneiro.

13 de Julho Sá-Carneiro, dias depois de se mostrar seduzido pelo «enredo» Caeiro - Reis - Campos, e pela ideia da revista «Europa», e dias depois de agradecer as gentilezas de Pessoa, a quem envia a Comoedia, escreve-lhe uma longa carta com declarações como estas: «tudo isto, toda esta sumptuosidade e depois a grande alma que você é, fazem-me ser tão seu amigo quanto eu posso ser dalguém: encher-me de ternuras, gostar, como ao meu pai, de encostar a minha cabeça ao seu braço - e de o ter aqui, ao pé de mim, como gostaria de ter o meu Pai, a minha Ama ou qualquer objecto, qualquer bicho querido da minha infância».

20 de Julho Sá-Carneiro concorda com Pessoa, que lhe dissera ter-se «volvido nação», em que a correspondência entre ambos constituirá uma «novidade literária sensacional» em 1970.

17 de Agosto Sá-Carneiro mostra-se «enervado» e triste com o silêncio epistolar de Pessoa «há mais de 15 dias».

24 de Agosto Por causa da guerra, Sá-Carneiro resolve, com grande pena, deixar Paris.

25 de Agosto Ao fim da tarde, Sá-Carneiro deixa Paris a caminho de Barcelona, onde permanecerá até 8 de Setembro. Neste período chega a escrever 2 e 3 vezes por dia a Pessoa, que lhe escreve também para Barcelona.

8 de Setembro Sá-Carneiro parte para Lisboa, não sem antes ter pedido a Pessoa para o esperar na estação e para guardar segredo sobre a sua chegada. Uma vez chegado, fixa-se na sua quinta de Camarate, mas faz frequentes viagens a Lisboa, para se encontrar em cafés com Pessoa e outros amigos; em 29 de Outubro passa a residir «provisoriamente» na Praça. dos Restauradores, 78, com o seu pai, e, mais tarde, será forçado a mudar para o Aliança Hotel, por causa das incompatibilidades com a mulher que seu pai arranjou. Por sua vez, Pessoa vê-se obrigado a passar para um quarto emprestado da Leitaria Alenteana (R. Almirante Barroso, 12) quando a tia Ana Luisa vai para a Suíça.

1915

Janeiro e Fevereiro Encontros frequentes de Sá¬-Carneiro e Pessoa, para corrigirem as provas de Céu em Fogo, e para discutirem textos e projectos, entre os quais decerto o do Orpheu, apoiado pelo amigo comum Lantalvor, que regressara do Brasil nos primeiros dias do ano, e por outros companheiros dos cafés (Alfredo Guisado, José Pacheco, Almada, etc.).

Fevereiro e Março Pessoa e Sá-Carneiro põem todo o empenho na saída do primeiro n.o de Orpheu, de que são os autênticos directores e que, entrado no prelo a 20 de Fevereiro, começou a ser distribuido em fins de Março, e obteve o sucesso que se sabe.

11 de Julho Depois de ter editado Céu em Fogo e de ter trabalhado com Pessoa - agora já como diretores «oficiais» - na preparação do n. o 2 de Orpheu, Sá-Carneiro parte inesperadamente para Paris, por razões económicas e afectivas. Da estação da PampiIhosa escreve logo a Pessoa, que deve ter sido o único dos amigos a saber da partida. .

16 de Julho Sá-Carneiro pede a Pessoa que lhe escreva para a posta restante, e desculpa-se de não lhe dar o endereço parisiense - nem a ele.

Julho-Agosto Sucedem-se as «cartas de negócio» de Sá-.Carneiro para Pessoa; não obstante, Sá-Carneiro fala ainda na necessidade da publicação do Orpheu 3.

24 de Agosto Definindo Pessoa como «Homem-Nação» e «toda uma civilização», Sá-Carneiro reconhece a grandeza dos dois, mas também a sua inferioridade em relação ao amigo.

13 de Setembro Sá-Carneiro comunica a Pessoa que têm «desgraçadamente de desistir do nosso Orpheu»; por razões que constam de uma carta do pai que submete á sua leitura; 5 dias depois, lamentará a desilusão que provocou a Pessoa: «Juro-lhe, em inteira sinceridade que é isso o que mais me preocupa».

Compêndio de Teosofia de C. W. Leadbeater, que Pessoa traduziu.

6 de Dezembro Pessoa escreve a Sá-Carneiro uma carta, que não sabemos se completou e enviou, em que se diz «outra vez presa de todas as crises imagináveis», fundamentalmente provocadas por ter «tomado conhecimento com as doutrinas teosóficas». Curiosamente, Sá-Carneiro atravessa um momento menos preocupante, mas por pouco tempo.

1916

18 de Fevereiro Sá-Carneiro confessa a Pessoa que vive «há semanas um inferno sem nome», põe a hipótese de regressar a Lisboa, onde já não está o pai, que partiu, com a nova mulher, para Lourenço Marques.

Março e Abril Sá-Carneiro relaciona-se com uma jovem francesa que referirá como «personagem feminina destes sarilhos» e que, proporcionando-lhe algum afeto, o ajuda também a gastar mais dinheiro e a perder-se na sua «crise».

5 de Março Sá-Carneiro pede a Pessoa para ir procurar a sua Ama, pedir-lhe o cordão de oiro que a mãe lhe deixou, empenhá-lo e mandar-lhe o dinheiro - o que Pessoa cumprirá «á risca».

14 de Março Carta de Pessoa - certamente a única das enviadas que se conhece na íntegra - em que se diz «no fundo de uma depressão sem fundo». Sá-Carneiro acusa a sua recepção e comenta: «Que Alma, que Estrela, que Oiro.».

31 de Março Sá-Carneiro envia a P,essoa (e ao Pai) o primeiro anúncio de que vai suicidar-se (no dia 3 de Abril) com estricnina, e promete mandar-lhe antes o seu caderno de versos.

3 de Abril Segundo anúncio, com a indicação de que se atirará para debaixo do «Metro», com o pedido de que dê a notícia ao Avô e à Ama, e com a oferta da carta de estudante da Sorbonne.

4 de Abril Sá-Carneiro envia a Pessoa uma carta, um postal e um telegrama a informá-lo de que «houve um compasso de espera».

17 de Abril Sá-Carneiro acusa a recepção de uma carta e um postal de Pessoa , em quem, diz, pensa «a todos os momentos», e a quem pede que lhe escreva, pedido que ainda repetirá em carta do dia seguinte.

26 de Abril (dia do suicídio de Sá-Carneiro) Bilhete deixado por Sá-Carneiro para Pessoa: «Um grande, grande adeus do seu pobre Mário de Sá-Carneiro Paris 26 de Abril de 1916».

Pessoa escreve a Sá-Carneiro uma carta, que não chega a terminar, em que diz: «a sua grande crise foi uma grande crise minha» - que sentiu inclusivamente por «projecção astral». (No espólio de Pessoa en¬ontra-se o horóscopo que ele fez de Mário de Sá-Carneiro) .

27 de Abril O amigo comum de Sá-Carneiro e Pessoa, Carlos Alberto Ferreira, informa Pessoa das circunstâncias da morte do seu companheiro.

4 de. Maio Pessoa escreve a Côrtes-Rodrigues: «Tenho atravessado uma enorme crise intelectual. E agora estou muito pior, com a enorme tragédia que nos aconteceu a todos. O Sá-Carneiro suicidou-se» «Naturalmente Orpheu publicará uma plaquette, colaborada só por os seus colaboradores, à memória do Sá-Carneiro».

1924

30 de Setembro O Diário de Lisboa insere um depoimento de Pessoa sobre o plano de publicação das poesias de Sá-Carneiro que é chegada a hora de iniciar. Pessoa publica em Athena um texto sobre Mário de Sá-Carneiro.

1928

A presença n. o 16 (Nov., 1928) publica uma «tábua biográfica» de Sá-Carneiro redigida por Pessoa.

1929

30 de Setembro Pessoa escreve a João Gaspar Simões sobre o plano de publicação das obras de Mário de Sá-Carneiro.

1933

11 de Abril Nova carta de Pessoa sobre o mesmo assunto ao mesmo destinatário.

1934

Pessoa escreve o poema «Sá-Carneiro».

1935

30 de Novembro Pessoa morre com uma cólica hepática no Hospital de S. Luís de Lisboa.





Realização


Sugestões

Lineu Robero de Moura
Presidente


Bibliografia


- BARREIRA, Cecília. Nacionalismo e modernismo: De Homem Cristo Filho a Almada Negreiros. Lisboa, Assírio e Alvim, 1981.

- BACARISSE, Pamela - A Alma Amortalhada - Mário de Sá-Carneiro's Use of Metaphor and Image, Londres, Tamesis Books Ltd., 1984.

- BRITO, Mario da Silva. História do modernismo brasileiro. São Paulo, Editora Saraiva, 1958.

- COLÓQUIO/LETRAS, nº117/118, Set.-Dez. 1990. Número dedicado a Sá-Carneiro

- FRANÇA, José-Augusto. Os anos vinte em Portugal. Lisboa, Editorial Presença, 1992.

- GALHOZ, Maria Aliete - Mário de Sá-Carneiro, Lisboa, Presença, 1963.

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